Quinta-feira, 17 de julho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1346

O jornalismo e o tempo de retomada nas narrativas sobre a Amazônia

(Apresentação do Boi Caprichoso no Festival Folclórico de Parintins, no Bumbódromo, 2024. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Retomada é um paradigma

É um modo de vida.
Trata-se de pertencimento.
Subjetividade.
Autoestima.
Trata-se de reaver nossa história, nossos cabelos, nossas pinturas.
De olhar nosso corpo e sentir a beleza que vem da terra, da qual tanto nos orgulhamos.
Trata-se sempre de nós.
De como reconstruímos relações fraternas e afetivas.
De como somos mais fortes em rede.
Retomada é um paradigma de poesia.
(Dorrico, 2023)

Permita-me começar dizendo quem sou. Me chamo Karine Tavares Nunes, amazônida da cidade de Parintins, no interior do Estado do Amazonas, reconhecida mundialmente por sua arte e cultura. Descendente de negros, indígenas e caboclos, ressalto que essa apresentação é mais que um dado biográfico, há posicionamento político e afetivo. Justifico a necessidade por esta ser minha primeira escrita neste espaço de discussão sobre jornalismos. Vale destacar que, em aproximação à miscigenação que me formou, optei por fazer este texto transitar entre diferentes estilos e registros, característica das perspectivas que mobilizo nestas leituras.

A lente que utilizo e que particulariza o interesse sobre o processo de reportar os assuntos da Amazônia no jornalismo se aproxima da retomada da identidade cultural, sobretudo indígena, quilombola e ribeirinha, que testemunho acontecer em nossa sociedade, ressalvado o sentido de “sociedade local”, de dentro da Amazônia. Essa reflexão nasce da retomada que inspirou o Boi Caprichoso — o Boi de Parintins — a trazer esse tema para o Festival Folclórico de Parintins em 2025, reconhecido mundialmente por sua arte e cultura; da retomada que inspira pesquisas sobre o acesso à literatura indígena nas escolas; sobre sujeitos amazônidas no telejornalismo; e que também me inspira a tecer reflexões sobre as retomadas no jornalismo sobre a Amazônia.

O poema que abre este texto é do livro Tempo de Retomada, da autora indígena pertencente ao povo Makuxi, Trudruá Dorrico. Trata-se da obra que fundamenta o projeto de arena do Boi Caprichoso para o Festival deste ano. Entre tantas questões possíveis, pode-se enfatizar a contestação da história oficial deste país, invadido e colonizado, e que insiste em silenciar as vozes dos povos originários. Com gritos que ecoam a versão do Brasil como terra indígena, a obra é desenvolvida sob a tríade: história, memória e identidade.

Nesse sentido, as conexões narrativas poéticas, jornalísticas e acadêmicas se entrelaçam. Na educação regular, a ausência da literatura indígena nas escolas de Parintins, e ainda mais da literatura escrita por mulheres indígenas, é evidência de um apagamento persistente (Garcia, 2025). No jornalismo, nota-se a forma como os sujeitos e a região são frequentemente reportados com inferioridade, sendo desconsiderados os conflitos históricos que nos formaram (Costa, 2022). Há, ainda, um estilo factual e descritivo, como se viu nas coberturas sobre a morte de botos durante a seca no Lago Tefé (AM), com destaque limitado para análises sobre causas e consequências (Brum; Nunes, 2025).

De fato, a Amazônia ganha visibilidade na grande imprensa sobretudo quando produz impacto pela exuberância ou por tragédias, enquadramentos que justificam sua noticiabilidade. No contexto local, muitas vezes, os jornalismos se restringem a reforçar esse paradigma narrativo.

Na contramão, avalio nosso processo de retomadasretomada das nossas raízes culturais e históricas. Na interação entre o campo literário e jornalístico, vejo possibilidades de resistência ao modelo eurocêntrico que subverte e silencia as narrativas sobre/na a Amazônia.

Pensando o jornalismo como forma social de conhecimento, nessa abordagem introdutória ao que ainda pretendo discutir neste espaço (e em outros espaços possíveis). Manifesto por meio desta redação meu próprio tempo de retomada por meio do jornalismo, um meio de luta, memória e resistência.

REFERÊNCIAS

BRUM, Adana Augusta Lopes; NUNES, Karine Tavares. Tucuxis: Construção da Narrativa Jornalística Sobre a Morte de Botos na Amazônia. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 22º Congresso de Ciências da Comunicação da Região Norte – online – 28 a 30/05/2025.

COSTA, Vânia Maria Torres. Sombra da Floresta: a Amazônia no jornalismo de televisão. 1 ed. – Belém (PA): Paka-Tatu, 2022.

DORRICO, Trudruá. Tempo de retomada. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2023.

GARCIA, Larissa Tavares. O Papel Político-Social das Escritoras Indígenas na Sociedade e na Educação. Monografia (Licenciatura em Letras). Universidade do Estado do Amazonas, Parintins, 2025.

Publicado originalmente em objETHOS.

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Karine Nunes é Jornalista amazonense, doutoranda em Jornalismo no PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS.