Monday, 09 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

EUA: a desinformação como método político eleitoral

(Imagem: cottonbro studio/Pexels)

A desinformação tornou as eleições norte-americanas de 2024 no maior exemplo, até agora, da forma como as campanhas deixaram de ser um espaço para discussão de ideias e propostas dos candidatos para se tornarem um evento político contaminado pela circulação em massa de dúvidas, suspeitas, intimidações e falsas notícias.

Trump foi o principal artífice do uso da desinformação como método político ao bombardear os eleitores, desde antes do início da campanha eleitoral, com suspeitas e suposições sobre a lisura da votação, a integridade do sistema de apuração e o complexo sistema de indicação do vencedor do pleito desta terça feira, nos Estados Unidos.

Ao transformar a disseminação de dúvidas e suspeitas num método político, o agora novo ocupante da Casa Branca criou entre os norte-americanos uma percepção de medo em relação ao futuro. Nestas condições, o voto perde gradativamente sua associação com a ideia de uma mudança para o melhor e passa a representar uma defesa prévia contra o pior.

A peça mais usada na estratégia da desinformação de Trump foi a frase “se eu perder é sinal de que as eleições foram fraudadas”. A frase é mais do que a expressão de uma suspeita. O fato dela ser repetida na maioria das dezenas de comícios republicanos acabou se tornando um mantra da direita norte-americana. Ganhou ares de verdade incontestável, segundo a teoria dos nazistas alemães de que uma mentira repetida centenas de vezes acaba se tornando uma verdade.

A retórica conspiracionista do candidato republicano acabou levando a campanha democrata a tentar desconstruir a estratégia desinformadora de Trump. Mas, ao fazê-lo, usou métodos clássicos de refutação que acabaram disseminando ainda mais as dúvidas e suposições, sem fundamento, levantadas por Donald Trump sobre a confiabilidade do processo eleitoral.

O uso da desinformação como método de ação política transformou as campanhas eleitorais num quebra-cabeça de dúvidas, onde se discute mais o que pode ou não ser verídico do que as soluções para resolver problemas como imigração, inflação, insegurança e custo de vida.

A erosão acelerada da cultura política criada a partir do ideário liberal democrático, vigente desde a independência americana, está sendo favorecida pelo fato de que é muito mais fácil captar a atenção pública promovendo suspeitas que geram incertezas e insegurança do que propor discussões abstratas, complexas e extensas sobre o que há de errado na vida das pessoas.

A facilidade e a impunidade com que se pratica a desinformação cria atrativos irresistíveis para quem foi marginalizado pelo sistema tradicional, como é o caso dos desempregados, subempregados, pequenos e médios agricultores endividados, grupos étnicos discriminados e jovens sem perspectivas.

A desinformação combinada com a existência de um grande número de desiludidos encontrou nas plataformas digitais o ambiente ideal para que ultraconservadores ampliassem a disseminação de dúvidas. Basta que elas sejam espalhadas por alguma personalidade ou político histriônico, como Elon Musk e Pablo Marçal. Não é necessário provar nada porque a repetição constante da mesma mentira não dá tempo para as pessoas refletirem, o que leva boa parte delas a aceitar a desinformação como um dado de realidade.

A desinformação deixou de ser uma técnica de comunicação usada ocasionalmente para se tornar um item permanente na nova cultura política baseada na polarização. Isto coloca um novo desafio para o jornalismo, que por definição é a atividade encarregada de zelar pela confiabilidade das informações e notícias levadas ao conhecimento do público. Um desafio crucial porque a volta do ultraconservador Donald Trump ao poder nos Estados Unidos pode colocar em questão todo o modelo político liberal-democrata.

***

Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.