Monday, 02 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Quem pode lucrar com conteúdo no YouTube (e fora dele também)?

(Foto: Umberto/Unsplash)

Assim como nas produções artísticas e científicas, a produção jornalística tende a ser um campo que valoriza muito o direito à propriedade intelectual. “Causos” anedóticos sobre jornalistas que se apropriaram indevidamente do trabalho de colegas costumam ser contados como exemplos sine qua non de má conduta profissional e também não é incomum que outras questões correlatas se tornem tema de discussão na esfera da categoria, como grandes veículos de mídia se apropriando indevidamente de matérias feitas por veículos independentes. Isso não significa que não pareçam existir “pontos cegos” que não costumam ser colocados em pauta apesar da clara existência de razões para debate.

Um exemplo de aspecto relacionado à propriedade intelectual que costuma ser tratado como “dado” no jornalismo é a procedência do direito das empresas jornalísticas sobre o das(os) profissionais que trabalham para ela. Embora a legislação brasileira trate os direitos de autoria como inalienáveis (diferente dos Estados Unidos, por exemplo), o que torna muito mais central a questão do crédito de autoria de quem escreveu uma matéria, os direitos econômicos parecem ser vistos de outra forma. Quando uma jornalista “x” escreve uma matéria para o veículo “a”, parece encarar-se com muita naturalidade que o veículo tenha o direito de decidir o que fazer com aquela matéria e de auferir sozinho os lucros relacionados a ela, ainda que esse não seja necessariamente o caso em outros campos do trabalho intelectual, afinal a jornalista “já foi paga pelo seu trabalho” anteriormente.

Entretanto, ainda que tensionamentos que colocam as(os) trabalhadoras(es) em posições de desvantagem diante de empresas sejam comuns a tempos, uma mudança nos Termos de Serviço do YouTube feita em 2021 é provavelmente um nível novo disso. A nova versão do campo “Direito de monetização” diz o seguinte:

“Você concede ao YouTube o direito de monetização sobre seu Conteúdo no Serviço. Isso inclui a veiculação de anúncios no Conteúdo ou a aplicação da cobrança de uma tarifa de acesso para os usuários. Este Contrato não concede a você o direito de pagamento referente ao que foi citado acima. A partir de 1º de junho de 2021, qualquer pagamento que você tiver o direito de receber do YouTube de acordo com um contrato entre você e a plataforma (incluindo, por exemplo, os pagamentos referentes ao Programa de Parcerias do YouTube, os Clubes dos canais ou o Super Chat) serão considerados royalties. Se exigido por lei, o Google reterá tributos sobre esses pagamentos.

A YouTube LLC, subsidiária do conglomerado Alphabet, outorga a si mesma, portanto, através de um contrato padrão firmado individualmente com os usuários do seu serviço, desconsiderando qualquer especificidade legal dos países em que essas pessoas estão, o direito de lucrar atrelando publicidade aos conteúdos publicados por elas na plataforma, salvo haja algum outro contrato entre essas partes. Seria uma boa proposta de tema para uma esquete de humor nonsense se não fosse verdade. O que isso significa para os direitos econômicos de quem produz jornalismo, ou qualquer outro tipo de conteúdo, para o YouTube parece uma perspectiva bem ruim.

Embora não dê pra dizer que as condições relacionadas a direitos intelectuais fossem ideais para jornalistas em contextos tradicionais de trabalho, elas parecem incríveis quando comparadas ao que se desenha para quem trabalha produzindo diretamente para as plataformas. Afinal de contas, essas pessoas não são nem mesmo tratadas como trabalhadoras(es), mas “empreendedoras(es) de si mesmas(os)”. Empreendedoras(es) o suficiente para não ter qualquer tipo de direito trabalhista ou coisa que o valha, mas não o suficiente para ter outra opção que não seja se submeter às condições postas pelas plataformas.

Diante desses avanços das big techs, que já demonstraram reiteradamente sua capacidade de agir como leviatãs paraestatais que lhes permite operar boa parte do tempo além do alcance da legislação de qualquer país que não os Estados Unidos (e mesmo no caso dos EUA, o alcance da lei se mostra limitado) parece essencial que setores historicamente legitimados, interessados na defesa dos direitos intelectuais de pessoas, aumentem o nível de atenção dado a essa questão. Se jornalistas, cientistas, artistas, ativistas e juristas não estiverem dispostos a pressionar, o YouTube (e seus semelhantes) não parecem dispostos a parar até que não sobre nenhum tostão furado pra quem trabalha.

Texto originalmente publicado em oBjETHOS

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Vinicius Augusto Bressan Ferreira é mestrando PPGJOR e pesquisador do Objethos