Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Somos os quase otários na guerra dos dados e notícias online

(Foto: Unsplash)

Facebook, Google e Apple deflagraram uma guerra virtual a pretexto de promover a privacidade individual, mas que na verdade é um mega conflito para decidir quem vai capturar a maior quantidade possível de dados deixados na internet pelos quase cinco bilhões de usuários da rede em todo o mundo.

Amazon e Microsoft também estão de olho no desenrolar da briga que é a maior já protagonizada pelos cinco maiores conglomerados empresariais da era digital, todos eles centrados no ativo mais valorizado dos tempos modernos: a informação.

Se você pensa que eles só querem espionar suas conversas, compras e fontes de notícias, você está enganado. O grande objetivo é identificar tendências de consumo e de comportamentos que permitam antecipar a oferta de soluções ou alternativas. O bate-boca público entre Facebook, Google e Apple gira em torno da questão da privacidade porque este é o tema que interessa diretamente aos internautas, como ficou evidente após as trapalhadas de Mark Zuckerberg (dono do Facebook) na mudança das regras da subsidiária WhatsApp.

Houve uma revolta e fuga em massa dos usuários do Whats, um site de conversas online, depois que o Facebook anunciou sua intenção de criar uma lista única de pessoas cadastradas e ampliar a área de comércio online na plataforma de mensagens pessoais. Zuckerberg adiou temporariamente, mas não desistiu de do projeto de monetizar as conversas e dados de usuários cadastrados nas redes sociais sob seu controle.

A meta é fazer os “dados falarem” em seu conjunto mais do que bisbilhotar a vida de pessoas isoladas. Um objetivo não exclui o outro, mas os resultados são bem diferentes. Os grandes dados (big data no jargão inglês) permitem lucros bilionários enquanto a espionagem na privacidade alheia é mais rentável na política e nas ações judiciais. O que as cinco mega corporações querem é o domínio do big data.

Por enquanto, quem está no ringue da batalha dos dados é a Apple e o Facebook. A fabricante dos iPods e computadores Mac provocou a ira de Mark Zuckerberg porque ousou introduzir na mais recente versão do sistema operacional IOS (exclusivo dos produtos Apple) um item que permite ao dono de um iPhone impedir que o Facebook e Whatsapp capturem dados pessoais do usuário do celular.

Os defensores da privacidade na internet apoiam a iniciativa da Apple, mas o Facebook acha que a concorrente está tentando interferir no seu bilionário negócio de usar dados dos usuários para identificar preferências e aumentar o preço da publicidade. Tim Cook, o chefão da Apple, diz que não recua alegando que a empresa de seu desafeto Zuckerberg tolera a disseminação de notícias falsas (fake news). A Apple parece disposta a ampliar a briga porque tirou a opção de acesso ao sistema de buscas da Google na versão mais atual do IOS (versão 14).

A batalha da notícia online

O mecanismo que domina quase 90% das buscas na internet absorveu o golpe e deu sinais de que espera o resultado da briga da Apple com o Facebook para decidir o que vai fazer. A Google enfrenta também uma outra batalha político/legal para evitar que governos como o da Austrália imponham o pagamento de notícias publicadas no site Google News e que tenham sido produzidas por outras empresas jornalísticas. O Google News alega que é uma mera plataforma para reproduzir textos, fotos e vídeos considerados relevantes para o público. Também neste conflito, o que sai publicado não explica tudo.

O governo conservador australiano decidiu enfrentar a empresa Google para atender aos interesses do multimilionário Rupert Murdoch, dono da maior corporação jornalística do mundo, a News Corporation (dona entre outros da Fox News, Sky News, The Wall Street Journal, The Times e The New York Post) que vê o faturamento do seu império encolher por conta da migração de anunciantes para a internet. Caso ganhe a batalha da Austrália, Murdoch vai pressionar outros países a assumirem posição idêntica.

A posição do Google é delicada porque a alegação de que o Google News é um mero site de recomendação de notícias e reportagens relevantes não se sustenta do ponto de vista das plataformas de comunicação. O Google News, como qualquer outra plataforma de comunicação (papel, digital, áudio, vídeo ou conversação), não é neutro por princípio.

Quando uma notícia muda de contexto, mesmo sem nenhuma alteração textual, ela assume um novo significado. O mesmo acontece com imagens e vídeos. Se o material assume um novo significado, como por exemplo, uma certificação de relevância ao ser reproduzido por um jornal ou site lido por economistas renomados, ele ganha um novo valor que tanto pode ser financeiro como político ou econômico. O Google News vai faturar na venda da publicidade que será vista por leitores influentes.

Há muita gente de olho nas conversas entre o Google e o governo australiano que parecem caminhar para um entendimento capaz de agradar a ambos os lados. Os conservadores australianos ganham o apoio político de Murdoch nas próximas eleições, Murdoch usará o caso para internacionalizar a questão, enquanto o conglomerado Alphabet, que controla o Google, faz uma concessão que terá efeitos negativos mínimos em seu faturamento anual liquido de 41 bilhões de dólares.

Aí a gente pergunta, o que sobra disto tudo para nós, que fazemos buscas pelo Google, usamos o Whatsapp para conversar com fontes de notícias, que colocamos nossos dados pessoais em celulares como o iPhone e publicamos textos no Facebook? A resposta simples: damos de graça dados que alimentam fortunas bilionárias.

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Carlos Castilho é jornalista, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.