Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Biblioteca fica ao alcance de um clique

Se você nasceu antes da década de 90, suas pesquisas escolares não devem ter fugido muito desta rotina: o professor anunciava o tema – podia ser mitocôndrias, guerras púnicas ou triângulos equiláteros, não importava muito – e imediatamente tinha início uma corrida à biblioteca da escola. Se você não era o felizardo a chegar primeiro – e você nunca era –, o caminho era buscar as bibliotecas públicas. Era preciso procurar o título nas fichinhas em papel datilografadas, pedir o livro ao bibliotecário, torcer para a obra estar disponível e em bom estado, para só então começar a pesquisar para valer. Aí era encarar a fila para tirar xerox da parte que mais importava, ou copiar os trechos à mão.

A internet mudou tudo isso. Hoje, com um clique e sem sair de casa, é possível ter acesso a informações que antes levavam dias para obter. A oferta de livros eletrônicos para computadores, tablets e smartphones cresce rapidamente e na internet não faltam links para arquivos gratuitos de títulos de domínio público, que podem ser copiados ou impressos livremente. O que não mudou é o desejo humano de guardar todo o conhecimento disponível – ou, pelo menos, o que for possível disso – em um único lugar: a biblioteca.

A Unesco, braço de educação e cultura das Nações Unidas, uniu-se à Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos para criar a Biblioteca Digital Mundial. A proposta é criar uma espécie de biblioteca das bibliotecas, juntando os acervos digitais das principais coleções ao redor do mundo. A iniciativa é apenas uma das muitas em andamento. A Open Library, de origem americana, já tem 20 milhões de itens digitalizados, entre livros, textos etc. Outra fonte conhecida é o Projeto Gutenberg, cujo nome homenageia o criador da imprensa. A iniciativa reúne 40 mil livros em formato eletrônico em diversos idiomas.

Direitos autorais restringem o processo

No Brasil, a Biblioteca Nacional começou a digitalizar seu acervo em 2001. Hoje estão disponíveis em formato eletrônico 6 milhões de páginas. O projeto mais recente da Biblioteca Nacional é a Hemeroteca Digital, que reúne jornais, revistas e periódicos desde 1808, quando a imprensa foi criada no Brasil, até 2010.

O apelo crescente do texto digital, que pode ser visto em qualquer tela, coloca em dúvida qual será o papel da biblioteca tradicional no futuro. O receio é que elas sejam abandonadas em troca da conveniência das versões digitais. Há, no entanto, visões mais otimistas desse fenômeno, pelas quais as coleções digitais são consideradas uma extensão e não um substituto dos acervos físicos. “A biblioteca tradicional ganha visibilidade com a digitalização”, diz Angela Bittencourt, coordenadora da Biblioteca Nacional Digital. “Uma pessoa que mora longe pode acessar o acervo a qualquer momento.”

Há um antagonismo característico no conceito de biblioteca, que tem de cumprir a função de preservar uma obra e, ao mesmo tempo, colocá-la nas mãos dos leitores. O dilema é que quanto mais a obra é manuseada, mais difícil fica conservá-la, diz Angela. A digitalização ajuda a resolver esse problema ao manter a integridade da obra física – em especial livros raros – sem restringir o acesso do público. Como toda técnica, no entanto, a digitalização também tem limites. Os direitos autorais são um dos principais fatores que restringem o processo. As bibliotecas podem até digitalizar seus acervos integralmente, mas só podem dar acesso eletrônico aos livros de domínio público ou obras das quais tenham obtido permissão prévia dos autores.

Digitalização da Biblioteca de Alexandria

A questão dos direitos autorais levantou uma onda de críticas ao Google, anos atrás, quando a empresa iniciou uma campanha maciça para obter a aprovação de autores ao redor do mundo para digitalizar seus livros. O receio era que a companhia passasse a exercer uma importância exagerada no universo literário. Uma alternativa para evitar esse tipo de problema, usada atualmente pelo Google Books Library Project, é dar acesso parcial a obras protegidas por direitos autorais.

A digitalização ajudou a reavivar até a Biblioteca de Alexandria, a mais célebre coleção de livros da história. Não se tem certeza de quando a biblioteca foi destruída, mas uma das teses é que navios incendiados da frota de Júlio Cesar atingiram o prédio acidentalmente. A rainha Cleópatra, que teria chorado ao ver a coleção em chamas, provavelmente aprovaria a nova versão digital, menos vulnerável a incêndios.

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Publicação de livro fica mais fácil

Ter um livro publicado é uma ambição nutrida por muitos candidatos a escritores. Mas conseguir contrato com uma editora e ter sua criação vendida em uma livraria é uma realização para poucos. Em geral, os editores escolhem livros cujo potencial é atrair o maior público possível. Prevalece uma lógica industrial, baseada na escala. Quanto mais gente lê, mais rapidamente a editora e o autor obtêm o retorno do investimento. Nos últimos anos, no entanto, a internet e as novas tecnologias de impressão têm dado uma mãozinha para quem tem aspirações literárias, mas ainda não conseguiu emplacar um best-seller.

Pelo menos uma dezena de empresas – brasileiras e internacionais – oferece serviços de editoração, publicação e impressão de livros. Com esses serviços, o autor pode diagramar sua obra da forma que quiser, definir qual será a aparência da capa e mandar imprimir a quantidade de livros que desejar. Há casos em que o autor pode encomendar um único exemplar. Além do formato físico, é possível deixar o material à venda em diversas lojas de livros eletrônicos.

Um exemplo é a gigante de comércio eletrônico americana Amazon. A companhia oferece algumas opções para quem quer colocar suas obras à venda no site. Uma delas é o CreateSpace, uma empresa que atua na criação de conteúdo de áudio, vídeo e livros sob demanda. Outra é o Kindle Direct Publishing, para publicação de textos no formato exclusivo usado pelo aparelho para leitura de livros eletrônicos da Amazon. As publicações que recebem boas críticas dos compradores podem ser incluídos no programa AmazonEncore e receber apoio de marketing e distribuição para promover o título. O recurso só está disponível para quem publica os livros na loja da Amazon nos Estados Unidos.

O desejo de um item personalizado

Na brasileira Clube de Autores, é possível colocar um livro à venda gratuitamente. O site, que tem entre seus sócios o veterano da internet Índio Brasileiro, conta com sua própria loja de livros eletrônicos e oferece publicações em mais de 40 categorias. Quem quiser, pode contratar serviços pagos de diagramação e revisão de originais. O site também oferece cursos on-line para os autores. Os livros são impressos pela gráfica Alphagraphics.

A impressão de livros em pequenas quantidades é uma mudança drástica no modelo editorial tradicional. Pela tecnologia off-set, quanto maior o número de unidades produzidas, menor é o custo unitário. Sob os processos de impressão digital mais recentes, a escala não tem tanto valor. Isso permite que tiragens menores possam ser encomendadas a um custo mais acessível. Como a impressão é feita diretamente de um arquivo enviado por computador, é possível imprimir páginas diferentes de um mesmo material – uma mala direta, por exemplo – sob uma única tiragem.

O que está acontecendo com a cadeia de produção de livros é uma prévia do que pode ocorrer no futuro com outros tipos de bens. Para muitos visionários, o futuro da manufatura está nas impressoras 3D. Esses equipamentos cumprem o papel de uma linha de produção destinada a criar itens sob demanda e ao gosto do usuário. Um arquivo digital, com o desenho do produto, é enviado ao equipamento, de qualquer lugar do mundo. A máquina “imprime” o projeto em materiais fáceis de moldar, como plástico e resinas. A ideia é que no futuro outras variedades de material sejam acrescentadas. Na Europa, cientistas já estão usando titânio para criar próteses e substituir ossos danificados, além de pontes de safena e válvulas do coração.

Na área de produtos de consumo, a tecnologia é impulsionada, em grande parte, pelo desejo do cliente em ter um item personalizado, mas de baixo custo. É um ponto curioso: o consumidor acostumou-se a adquirir produtos parecidos em qualquer parte do planeta, seja uma calça jeans ou um hambúrguer. Apesar disso, quer um toque pessoal nos seus itens preferidos. É melhor comprar um livro pela capa quando foi você mesmo quem a desenhou.

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Enciclopédia ganha novos formatos na internet

Pais orgulhosos gostavam de ostentar em suas prateleiras os pesados volumes de enciclopédias, vistas tanto como um símbolo de status intelectual como um investimento na educação dos filhos. Caras e volumosas, as enciclopédias eram uma fonte de conhecimento superior ao alcance da mão.

É por isso que o anúncio, feito em março, de que a Encyclopaedia Britannica – a mais famosa delas – deixaria de circular em papel, causou uma certa comoção. A internet mostrou-se um adversário insuperável. Em 1990, a Britannica vendeu 120 mil coleções; em 2010, esse número havia caído para 8,5 mil.

A ideia de levar a enciclopédia para o meio digital não é nova. No início dos anos 90, a Microsoft lançou uma enciclopédia em CD-Rom, a Encarta, mas o projeto não se mostrou bem-sucedido. Outras iniciativas que surgiram na mesma época tiveram fim idêntico.

Britannicaonline

O que mudou a cara da enciclopédia foi um conceito da web: o compartilhamento coletivo do conhecimento. Foi esse o motor da Wikipedia, que se transformou na maior enciclopédia da internet. Só em inglês, são mais de 3 milhões de verbetes, versus os cerca de 100 mil da Britannica. Em vez de autores especializados, a Wikipedia recebe contribuições de qualquer pessoa que se dispuser a escrever sobre um determinado assunto.

Para especialistas, a força da Wikipedia é também seu ponto fraco. É bem mais difícil garantir a precisão das informações ou a isenção das fontes, principalmente em temas como política e religião.

Para quem prefere a tradição da Britannica, está disponível uma versão online. Parte do acervo é gratuito. A versão completa, para iPad, custa US$ 1,99 por mês. Foi-se o tempo em que os pais precisavam economizar para comprar enciclopédia.

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[Gustavo Brigatto e João Luiz Rosa, do Valor Econômico]