Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Pés no freio e no acelerador

Dunga voltou à Seleção. O Banco Central liberou R$ 30 bilhões para crédito um dia depois de confirmar a manutenção dos juros em 11%. Foram as duas grandes surpresas do mês. Segundo um analista financeiro, o BC decidiu manter o pé no freio e pisar ao mesmo tempo no acelerador.

O lance do crédito pareceu estranho, até porque as projeções oficiais indicam inflação acima da meta de 4,5% por mais dois anos – e bem acima ainda no próximo ano. O pessoal da imprensa econômica foi atrás de esclarecimento. As explicações, tanto de especialistas do mercado quanto de fontes oficiais mantidas em anonimato, apontam para as eleições e para pressões de setores empresariais.

Na quinta-feira (24/7), um recado firme fora transmitido ao mercado: a redução da taxa básica de juros, a Selic, estava fora de consideração. Seria mantida em 11% enquanto a inflação continuasse elevada e resistente. Raramente se usou linguagem tão simples e clara numa ata de reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária, formado por diretores do BC. A ata é habitualmente divulgada oito dias depois da reunião. Com isso, concordaram todos, liquidava-se o rumor sobre corte da taxa em setembro.

Essa foi a história publicada pela maior parte dos grandes jornais na sexta-feira (25). Só o Valor acrescentou uma informação: os juros de 11% seriam mantidos, mas outras medidas de aperto do crédito seriam aliviadas. Foi um furo respeitável, embora sem detalhes sobre a nova decisão.

Vitrine de campanha

A novidade sobre o crédito foi anunciada oficialmente na manhã de sexta-feira. Os bancos ficaram livres ­­para usar até R$ 30 bilhões de recursos mantidos em depósitos no BC. Se todo esse dinheiro for posto em circulação, o impacto final, pelo efeito de multiplicação, poderá chegar a R$ 45 bilhões. A liberação foi apenas uma das mudanças. Ao mesmo tempo, foram alteradas normas de segurança para alguns tipos de financiamento. Foram facilitados créditos de longo prazo e criadas condições obviamente favoráveis à indústria automobilística.

Todos esses detalhes foram esmiuçados na cobertura. Mas também seria preciso juntar coisa com coisa e explicar por que o afrouxamento, aparentemente incompatível com a política de juros, foi decidido. Nas manchetes de sábado (26), alguns dos jornais mais importantes avançaram com graus diferentes de cautela.

A Folha de S.Paulo apresentou na primeira página o título mais contido: “Governo afrouxa regras para bancos ampliarem crédito”. O Estado de S.Paulo foi um passo além, contrastando as duas decisões: “Após manter juro alto, BC libera R$ 45 bi para crédito”. OGlobo foi o mais enfático: “Governo insiste em medidas de estímulo ao consumo”. Sob a manchete, um complemento forte: “BC facilita financiamentos, principalmente de automóveis, e libera R$ 45 bilhões”.

O contraste foi realçado por muitos especialistas. Se o Copom manteve os juros em 11% por causa da inflação elevada e resistente, é muito difícil justificar a remoção de outros entraves ao crédito. “São medidas que roubam efeito da alta de juros”, disse a respeitada economista chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. “O governo voltou a apostar no consumo”, repetindo o receituário de 2008, comentou Luís Miguel Santacreu, da Austin Rating, citado, como Zeina Latif, pelo Globo.

As medidas do BC, de acordo com o Estadão, coincidem com interesses do governo, “A preocupação”, segundo o jornal, “é que o pífio crescimento da economia afete o binômio ‘emprego e renda’, vitrine da campanha de Dilma, causando prejuízo eleitoral. Em conversas reservadas, auxiliares de Dilma avaliam que o pacote ‘retira o atrito’ do mercado e dá fôlego à economia.”

Projeção para baixo

Fontes do governo são citadas mais de uma vez, nos jornais. Admitem a conveniência política do crédito mais fácil, mas, de modo geral, negam a incompatibilidade entre essa política e a manutenção dos juros altos. Essas pessoas aparecem na cobertura sem identificação. Também esse detalhe é significativo.

Há referências, naturalmente, ao baixo ritmo de crescimento. Mas o material ficaria mais arredondado se fossem lembrados alguns fatos da semana. Na pesquisa Focus, a mediana das projeções de crescimento econômico ficou pela primeira vez, neste ano, abaixo de 1%. O número divulgado na segunda-feira (21/7) foi 0,97% (1,05% na semana anterior). Essa pesquisa é realizada semanalmente com cerca de cem instituições financeiras e consultorias.

No dia seguinte, o Ministério do Planejamento publicou nova estimativa de alguns dos principais indicadores. A expansão do PIB calculada para 2014 caiu de 2,5% para 1,8%, enquanto a estimativa da inflação subiu de 5,6% para 6,2%. A terceira revisão foi a do Fundo Monetário Internacional (FMI). O aumento estimado para o PIB passou de 1,9% em abril para 1,3% em julho. A projeção para 2015 diminuiu de 2,5% para 2%., ainda acima da previsão do mercado, 1,5%. Uma referência a esses dados tornaria mais vivas e mais completas as matérias publicadas no sábado (26).

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Rolf Kuntz é jornalista