Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As abstrações pós-modernistas

Caminhamos a passos largos para uma sociedade cada vez mais teatral e valores éticos banalizados. As redes sociais, epidemias nos países ocidentais, fomentam a autoespetacularização e os holofotes de um narcisismo que cada um carrega consigo. Com o advento da internet e o seu elevado número de acessos surgiram tecnologias que há dez anos eram algo tão abstrato. Entretanto, a mesma mão que balança o berço e faz ninar uma criança é autora de tapas e severas correções.

A internet acelerou o fenômeno alertado pelo sociólogo Zygmunt Bauman.

Vivemos em uma sociedade extremamente líquida e sem formato estático. Ética e valores morais mudam rapidamente e se confundem. A garota do vestido curto que assistia às aulas em uma faculdade hoje exibe seu corpo em revistas, coroada como celebridade pela mídia e, em especial, pelo Jornalismo que, infelizmente, se entregou aos prazeres profanos do sensacionalismo fútil e niilista: resultado da pós-modernidade, o auge da indústria do espetáculo. Uma triste realidade para desespero e frustração daqueles que defenderam, com sangue, as suas máquinas de escrever diante da ditadura e seus monstros censores. O Jornalismo, que insisto em escrever com letra maiúscula, uniu-se aos chamados reality shows, que, ao contrário do que pensam, só alienam ainda mais nossa sociedade.

Jornalistas dramatizam as informações

Acredito que a instabilidade social faz com que os reality shows se propaguem, pois as pessoas querem ser vistas. A velha tática de amarrar uma melancia no pescoço já não surte efeito algum. Para aparecer é preciso, literalmente, tirar a roupa diante das câmeras de televisão. Recentemente, li em um artigo que uma jovem norte-americana instalou diversas câmeras de TV dentro de sua casa e os internautas podem acompanhar sua rotina. Ela abriu mão de sua privacidade para aparecer na mídia.

Estamos diante das perdas de valores e autoespetacularização que, obviamente, geram audiências. Ser visto é o lema da atualidade. Afinal, já diz a máxima que ‘quem não é visto, não é lembrado’, correto? Contudo, até que ponto ser visto é um benefício para o indivíduo? O que se observa é uma escravidão digital que surgiu com as redes sociais e toda essa convergência de mídias. O indivíduo cria blog, Facebook, Orkut, Twitter, posta vídeos no YouTube e fotos no fotolog. Ele necessita ser visto. Desse modo, a sociedade fica refém do meio virtual, que, veloz, não oferece meios para uma reflexão de seus atos.

O que me preocupa é que o tradicional e, talvez, conservador Jornalismo envereda por tais caminhos. Não levanto a bandeira de um retorno às redações cheias, com os barulhos das Olivettis. Todavia, precisamos definir melhor os limites da liquidez dos reality shows e as fronteiras jornalísticos. O abstrato de Bauman mexeu com o eixo da Terra e hoje o que se vê é um Jornalismo de entretenimento. Os jornalistas, no passado, somente informavam os fatos.

Atualmente, alguns dramatizam as informações. Bancadas de telejornais transformaram-se em estúdios de novelas ou palco de um luxuoso teatro. Posso estar sendo radical demais diante do novo cenário digital e especulativo da fama. No entanto, ao encerrar um telejornal podemos dizer a célebre frase do protagonista da cerimônia hollywoodiana: ‘E o prêmio de melhor ator-jornalista vai para…’

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Músico e graduando em Jornalismo, Juiz de Fora, MG