Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A profissão na era do “design thinking”

Agosto é aquela época do ano em que os estudantes de jornalismo vão voltando ao campus, mapeando seus cursos para o próximo semestre e os professores refinam seus programas de curso (N.R. Nos EUA o ano letivo começa em agosto) . O tumulto nas empresas jornalísticas faz também com que muitos professores adaptem suas estratégias de ensino a uma era de visualização de dados, de aplicativos e distribuição de mídias de compartilhamento.

Heather Chaplin

Heather Chaplin

Entretanto, um departamento da The New School , (Nova Escola, situada em Nova Iorque) não tem que se preocupar muito com o tumulto: seu programa Jornalismo + Design, inaugurado em 2014. “Nós adotamos o seguinte principio : O que significa fazer jornalismo em 2014 e daí para frente? ”, disse Heather Chaplin, diretora do programa, agora com um ano de existência.

O novo programa para estudantes universitários foi criado com a ajuda de uma bolsa de 250 mil dólares da Fundação Knight (que também foi fundadora do Nieman Lab). Encaminhando sua abordagem de financiamento para a educação, o objetivo da Fundação Knight era incentivar a New School a desenvolver um novo tipo de currículo para jornalismo estruturado em torno do conceito de design thinking [1] . Os estudantes aprendem jornalismo de dados e redes sociais, entre outras áreas, com monitores na New School, assim como com profissionais visitantes, vindos de redações em Nova York e arredores.

Heather Chaplin disse que o objetivo é usar o conceito de design thinking para preparar os estudantes para o futuro. “Não estou tão interessada em habilidades especificas quanto em aptidões”, disse-me ela. “Será que estamos ajudando as pessoas a serem capazes de aprender rapidamente de maneira a que, quando as coisas mudarem, elas possam acompanhar essas mudanças sem ficarem apavoradas?”

O número de alunos do programa pulou de 90, no outono de 2014, para 214 neste semestre. Conversei com Heather Chaplin sobre a experiência de construir uma Escola de Jornalismo a partir de zero e sobre como o conceito de design thinking pode mudar a maneira pela qual os jornalistas executam seu trabalho. Abaixo, segue uma transcrição, levemente editada, de nossa conversa.

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“Comecei a pensar em design como jornalismo cívico”

Como é que foi a experiência de criar um programa de jornalismo a partir de zero?

Heather Chaplin – Eu nunca o fiz de outra maneira e, portanto, não posso comparar. Mas quando estávamos começando e eu ia falar com as pessoas, quando encontrava um professor ou um diretor de um programa que já existia, eles diziam: “Puxa, você nem imaginam a sorte que tem!” Comecei a compreender que uma de nossas grandes vantagens era não ter heranças. Quando não há luta, não há batalha – e não há 50 professores catedráticos que ainda querem fazer as coisas como faziam há 25 anos. Foi aí que dissemos: “O que significa fazer jornalismo em 2014 e no futuro?” E esse é o nosso patamar. Sentimos uma excitação incrível. Não estamos brincando sobre como gostaríamos que o jornalismo fosse feito, ou sobre como lembramos que era o jornalismo antigamente, e sim, sobre o que realmente é fazer jornalismo hoje. Não consigo me imaginar tentando fazer isso, levando em conta o enorme peso de um passado que estamos tentando mudar.

Em que é que o programa Jornalismo + Design é diferente? Quais as vantagens que ele tem em relação a outros programas da New School?

Heather Chaplin – Quando comecei na New School, há alguns anos, vinha fazendo a cobertura de vídeo games há muito tempo. Tinha muito interesse no aspecto gráfico e achava que isso, em suas diferentes formas, era relevante para jornalistas. A New School tinha uma excelente faculdade de Belas Artes, que é onde estou instalada atualmente, e tinha a que era considerada uma das melhores escolas de design do mundo, mas não fazia nada na área de jornalismo. Ai eu imaginei, o que aconteceria se você pesasse: “Muito bem, isto é jornalismo e jornalismo é uma forma de mídia que acreditamos que seja necessário manter viva, caso tenhamos alguma oportunidade de ter uma sociedade livre.”

O jornalismo é um conjunto de valores e tem um papel específico a desempenhar numa sociedade livre. Por isto, que tal se pegássemos os procedimentos tradicionais do jornalismo e, a partir deles, realizássemos uma recombinação destes procedimentos com práticas e princípios do design para ajudar as pessoas a serem mais imaginativas, mais ágeis, a resolverem os problemas de maneira melhor? Poderíamos fazer um tipo de jornalismo com possibilidades de prosperar. É claro que isso leva à questão do significado de design. E é uma questão difícil. Estou escrevendo um ensaio para o Tow Center neste momento sobre o que queremos dizer quando falamos sobre design e por que isso é importante.

Para fins jornalísticos, o design pode ser pensado de duas maneiras diferentes. Quando as pessoas falam em design, muitas vezes se referem a aspectos visuais, que, obviamente, são importantes. Mas, na realidade, nós estamos falando de design para além dos aspectos visuais. Você pode pensar em design em termos de envolvimento de audiência. Os projetistas do design sempre começam por perguntar para quem estão projetando o design e por que. Portanto, quando pensamos em envolvimento de audiência e queremos conhecer nossa audiência, o design é uma disciplina que nos pode ajudar. Também penso no design como o desenvolvimento de um novo produto: ninguém sabe como as notícias serão consumidas à medida que avançamos. Como serão os jornais do futuro? Os processos do design pode ajudar-nos a desvendar isso.

E comecei a pensar em design como uma forma de jornalismo cívico – a ideia de que o processo de design thinking começa com o desenvolvimento de uma empatia ou com a ação de escutar profundamente. O que iria parecer um processo jornalístico que começa sem suposições ou preconceitos e apenas a ação de escutar? É uma abordagem ao jornalismo de baixo para cima. Você está na comunidade a que você presta serviços dizendo: “De que é que você precisa saber, quais são suas necessidades de informação e o que é que se passa em seu mundo que nos possa ajudar a entende-lo melhor?” Não se trata de pessoas sentadas, numa redação, dizendo: “Estas são as coisas que as pessoas precisam saber.”

“Fazemos muitas oficinas”

Quantos cursos existem e como funcionam essas ideias sobre design entre os alunos?

Heather Chaplin – Nossos cursos principais chamam-se Notícias, Narrativa e Design. A bolsa da Fundação Knight permite-nos manter um projetista de design, um editor de redes sociais e um repórter de jornalismo de dados nas salas de aula. A ideia é de que essas coisas distintas não fazem parte de guetos, e sim do que significa fazer jornalismo. No ano passado, nós começávamos as aulas com exercícios de escuta. Os estudantes passavam muito tempo fora, fazendo pesquisa e entrevistando pessoas. Depois fazíamos exercícios de intercâmbio de ideias para sintetizar os temas que já havíamos ouvido várias vezes. Fizemos exercícios com de Ponto de Vista [2] e outros exercícios para tentar entender quem eram as pessoas para as quais fazíamos reportagens e como poderíamos incluí-las no processo de produção jornalística. Pesquisamos seus hábitos de mídia. Depois passamos quase todo o semestre trabalhando num projeto.

No outono passado, havíamos previsto começar com 60 estudantes. Acho que tivemos 94 no primeiro semestre e 165 no segundo. Neste outono, temos 240 estudantes com 60 na lista de espera. Foi extraordinário. Não dei conta de atender à demanda – a escola queria que eu acrescentasse uma porção de turmas e mais uma porção de seções e eu tive que dizer que não era possível, para manter o controle de qualidade.

No último semestre, tivemos Andrew Losowsky – que atualmente lidera o Projeto Coral – ensinando algo chamado “jornalismo invisível”[3], ou como o jornalismo poderia existir em espaços físicos inesperados. Neste semestre, temos Benjamen Walker, um dos fundadores da Radiotopia[4], e os estudantes vão criar uma série de podcasts [arquivos de áudio digitais] que esperamos que deem certo.

Outra coisa que a bolsa da Fundação Knight nos permite é a oferta de aulas de fim de semana [popup classes] um tipo de aula oferecida uma única vez , valendo dois créditos ,e onde abordamos temas de vanguarda ou que sejam de interesse das pessoas.

Com o formato de dois créditos, posso trazer gente excelente, de alto nível, porque é um compromisso que envolve menos tempo. E os estudantes podem tentar fazer algo em que tenham interesse sem comprometer o semestre inteiro. Tentamos fazer muita coisa fora da sala de aula. Fazemos muitas oficinas. No semestre passado, tivemos Hong Qu, principal autoridade tecnológica da empresa Fusion, fazendo uma oficina em duas etapas sobre o futuro dos vídeos móveis. Já tivemos Adam Sternbergh – que na época era editor da New York Times Magazine e agora trabalha como escritor – que deu um curso intensivo de redação. E também tivemos Andrew Donohue, editor do Center for Investigative Reporting, que apresentou, num único dia, um design sobre reinventar reportagens locais.

“[Os estudantes] são bons em qualquer coisa que fizerem”

Como é que vocês preparam os estudantes para o mundo, depois da universidade?

Heather Chaplin – Provavelmente, não terei uma resposta para isso, pois somos muito novos. Pensamos que começaríamos pequenos, mas tornamo-nos grandes muito rapidamente. Em um ano, criamos 24 novas turmas e trouxemos 39 pessoas para ensinar. Partir da estaca zero foi a coisa que mais me absorveu em minha vida. Agora temos que começar criando alguns programas para estagiários. Por sermos um programa para estudantes universitários, todo ano há um grupo de estudantes talentosos e inteiramente comprometidos em tornar-se jornalistas profissionais. Vão sair daqui e conseguir empregos.

Alguns estudantes já fizeram isso como experiência universitária. Nem todos se tornarão, necessariamente, jornalistas profissionais. Mas o que faz com que eu tenha um sono tranquilo é saber que eles são bons em qualquer coisa que fizerem. Estamos ajudando nossos estudantes a serem inteligentes, criativos e capazes de trabalhar coletivamente. Se realmente acreditamos que o jornalismo é uma atividade coletiva, e que todo mundo é um jornalista em algum momento de sua vida, então eu tenho certeza que estes estudantes – façam o que fizerem em suas profissões – saberão como atuar quando surgir o momento de agir como jornalista.

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Justin Ellis é editor assistente do Nieman Lab

[1] Design Thinking, (tradução literal : pensando o design) é um conceito novo que procura pensar soluções levando em conta o contexto atual, passado e futuro do tema em estudo. Mais detalhes no artigo da revista Pequenas Empresas Grandes Negócios. Na falta de uma definição de consenso em português , usaremos a expressão inglesa, temporariamente.

[2] N.R. No original POV (Point of View – Ponto de Vista) técnica usada no design para explorar a diversidade de percepções de um mesmo fato, dado ou evento por individuos.

[3] N.R. No original “stealth journalism”.

[4] Radiotopia é uma página web dedicada a narrativas sonoras produzidas colaborativamente. http://www.radiotopia.fm/#about