Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Revista Badaró – jornalismo local de qualidade

(Foto: Reprodução/Revista Badaró)

A revista Badaró é uma revista sul-mato-grossense independente, financiada pelos consumidores e por parcerias feitas por instituições que simpatizam com sua visão de mundo. O veículo foi formado em 2019 com o objetivo de ser o primeiro focado em jornalismo em quadrinhos do Brasil. As matérias da revista, em sua maioria, possuem um cunho social e político; a revista foge da neutralidade e é caracterizada por sua postura crítica.

Para este diagnóstico, foram analisadas dez matérias que estavam na aba ‘’destaques’’. Um dos pontos que mais chamou a atenção é a falta de periodicidade: todas as matérias possuem um longo período de tempo entre elas; a revista não publica semanalmente ou mensalmente, tendo espaços sem publicação de mais de três meses. Seis destas matérias foram escritas somente em quadrinhos, três mesclaram os quadrinhos com a escrita e apenas uma não teve uma sequência de quadrinhos, entretanto tinha três ilustrações.

A primeira matéria analisada intitulada como “No que crê um seguidor de Lúcifer, Satanás ou Belzebu” foi publicada em setembro de 2020. Devido ao seu título forte, que atiça a curiosidade do leitor, pode-se dizer que beira o sensacionalismo, pois o que vai ser dito é resumido em uma forma exagerada para instigar o público. A matéria começa com um fragmento retirado do livro “A igreja do diabo”, escrito por Machado de Assis, que conta a história de quando o diabo teria fundado sua religião. Em seguida, o texto começa com uma descrição de um culto a Satã, que contém um ritual com pacto de sangue e um sacrifício animal. Tal descrição prende a atenção do leitor por parecer um filme de terror. No final do parágrafo há uma revelação: a descrição do chocante ritual não passava de uma ficção dos estereótipos das religiões ocultistas pregada em Hollywood.

Essa estratégia usada para surpreender o leitor é uma eficaz ferramenta para que ele sinta mais vontade de terminar de ler a matéria. A reportagem utiliza representantes da Quimbanda e da Igreja de Satã para quebrar os tabus que existem em relação ao ocultismo e explicar como realmente funcionam tais religiões, porém, não há uma pluralidade de vozes, pois não há uma fonte que apresente um contraponto para ser debatido. A gramática, linguagem e formatos jornalísticos estão corretos, além disso, a matéria foi bem apurada, foi escrita de forma ética, sem ofender nenhuma religião.

“A pretensa neutralidade, dentro de um cenário em que há disparidade de forças, é um posicionamento favorável ao opressor”. Tal fragmento foi retirado do tópico “O Manifesto”, um local para conhecer um pouco da visão que a revista busca. A segunda publicação analisada foi um editorial escrito em forma de charge e fica nítido que a revista cumpre o escrito em seu manifesto, fugindo totalmente da imparcialidade. O editorial com o título “Ódio e Nojo” critica a lei de anistia da Carta Magna para com os torturadores da Ditadura Militar. A Badaró afirma que se não fosse por essa lei, o ex-Presidente Jair Bolsonaro não poderia ter ganhado tantos seguidores fanáticos e nem se elegido. O editorial utiliza diversas palavras de juízo de valor como no trecho: ‘’porta-vozes dos discursos mais desprezíveis do senso comum, e se alçasse à Presidência da República sendo a voz de milhões de medíocres orgulhosos de sua mediocridade, ou de oportunistas hoje arrependidos’’.

As reportagens da revista não ficam restritas a temas referentes somente ao Brasil, por exemplo, a charge “EUA e Talibã: um caso de amor não resolvido” publicada em setembro de 2021, aborda a relação conflituosa entre os Estados Unidos e o Talibã. A matéria reconta alguns dos principais fatos entre as duas entidades, mostrando inicialmente o apoio americano ao grupo quando o “inimigo em comum” era a ocupação socialista no Afeganistão até os acontecimentos de 11 de setembro e as torres gêmeas. A pauta foi atual e relevante quando publicada já que, em agosto de 2021, o Talibã retomou o controle do Afeganistão após a retirada das tropas estadunidenses do país. O formato do texto é de narrativa histórica.

O veículo também desenvolve pautas regionais, como o observado na matéria, também em formato de charge, “Um povo, três massacres’’, que expõe a violência por parte da polícia às comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul. A reportagem foi publicada em junho de 2022 continua relevante, pois até hoje as comunidades ainda têm que lutar para conquistar suas terras, além disso, ainda sofre constantes ataques das “agromilícias”. A escrita da matéria é feita no modelo de “pirâmide mista”, começando com uma notícia recente e se aprofundando em uma reportagem com uma fonte especialista e contando outros ataques anteriores à comunidade guarani-Kaiowá.

A questão indígena é abordada novamente, mas dessa vez com os povos Yanomami, em “Fake news contra os Yanomami reforçam genocídio”. A matéria tem grande relevância para a época publicada, pois foi quando foram divulgadas diversas fotos dos povos Yanomami em severas condições de desnutrição. Ela contrapõe a fala do Deputado bolsonarista Luiz Ovando, o qual foi em um programa de televisão falar que as imagens divulgadas eram falsas e que esses povos não eram brasileiros, além disso defendeu o ex-presidente Jair Bolsonaro, dizendo que ele “não deixou a desejar” em investimentos a saúde indígena. A reportagem mostra que tal fala era uma mentira, pois o presidente havia negado auxílio aos povos indígenas. Além disso, também expôs que, durante a pandemia de Covid-19, a ex-ministra Damares Alves pediu ao ex-presidente em nota técnica para que vetasse a ampliação de leitos de UTI, água potável e materiais para combater a pandemia nas aldeias.

A revista busca falar de temas que estão em voga no momento, por exemplo, em abril de 2023, quando estava tendo uma série de atentados às escolas, foi publicado uma matéria que relatava a influência do Twitter no aumento de casos. “Muito além da deep web: Twitter apoia massacres e protege quem os exalta’’ traz uma pesquisa que mostra que de 160 contas que incentivaram massacres, apenas 3 receberam alguma punição. A compra da empresa pelo bilionário Elon Musk também foi abordada na matéria, assunto no qual gerou muita discussão por parte dos usuários, que não gostaram da mudança.

Buscando sempre abordar matérias que façam com que os leitores reflitam e enxerguem uma perspectiva fora do senso comum, “Retrato de um país em guerra” faz com que o público veja a gravidade da violência no Brasil. A reportagem publicada em março de 2023 é carregada de dados e comparações, as quais mostram que mesmo o Brasil não estando em guerra, o número de mortos no conflito entre Rússia e Ucrânia é quase a metade do número de mortos no Brasil. Mostra-se também, que as mortes têm um recorte de raça e gênero, sendo maior entre as mulheres pretas, que são vítimas do feminicídio. Ademais, a matéria também faz uma crítica ao governo de Jair Bolsonaro que cortou 90% das verbas de programas de combate à violência contra a mulher. A reportagem se encerra com uma crítica à mídia, que normaliza a violência.

Com um design semelhante ao construtivismo russo, a matéria “Do analfabetismo ao país das bibliotecas” é um misto entre HQ e texto. Na HQ, foi feito uma amálgama dos principais pontos trazidos na matéria abaixo, mais completa e aprofundada. A reportagem conta como a União Soviética, em que a maioria da população era analfabeta, se tornou o Estado das bibliotecas. A pauta traz veracidade histórica e três fontes especialistas, mas não tem atualidade, já que se trata de um evento ocorrido nos anos de 1900. A gramática está correta, a linguagem e formato jornalístico, entretanto, pode ser diferente nesse caso, já que traz muitas citações dos autores que serviram de fonte – dando uma conotação quase acadêmica ao texto.

Para finalizar, a última matéria analisada, também em quadrinhos, foi publicada maio de 2023 e é embasada em uma pesquisa que aponta que o número de assassinatos e tentativas de assassinato aumentaram durante os quatro anos do governo Bolsonaro. O título da matéria, diferente dos outros, que eram mais impactantes, se assemelha ao título de uma notícia comum ou a uma linha fina: Era Bolsonaro aumentou terror no campo, aponta relatório da CPT. O seu conteúdo é pautado em apenas uma única fonte: o Relatório Anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do ano de 2022. A matéria é angulada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, fazendo uma relação dos dados da CPT com sua gestão. A veracidade se dá pelo relatório da CPT e, apesar da matéria ter sido escrita em 2023 quando Jair Bolsonaro não era mais presidente, é atual e relevante pois os dados dos camponeses e pessoas afetadas em sua gestão continuam existindo até os dias atuais.

Em suma, a revista cumpre o que propõe, os leitores que buscam matérias mais neutras não as encontrarão na revista Badaró. Ela deixa claro em seu objetivo não busca a neutralidade e sim uma postura crítica. Quase todas as matérias da revista possuem críticas políticas fortes e embasadas em diversos acontecimentos e dados, nenhuma matéria é pautada somente na opinião sem haver algum tipo de embasamento, seja por uma pesquisa, por relatórios de fontes especialistas ou ambos. A revista entrega um jornalismo crítico de qualidade.