Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O dogma começa a derreter

A revista Vejada semana passada publicou reportagem de quatro páginas intitulada “Um dogma que começa a derreter”, apontando evidências de que os céticos do aquecimento global causado pelo ser humano podem estar com a razão. Segundo a semanal, o próprio ambientalista inglês James Lovelock, de 92 anos, ainda lúcido, afirmou ter sido alarmista em suas considerações sobre as mudanças no clima (confira). “Foi uma tolice de minha parte”, reiterou Lovelock a Veja. “O ser humano não é mais culpado do que as árvores no que diz respeito ao aumento das temperaturas.” Para Veja, nem o Climagate – o escândalo sobre a manipulação de dados nos relatórios do IPCC, o painel climático da ONU – foi um golpe tão duro para os defensores da ideia de que a humanidade vive uma emergência planetária iminente, resultado da emissão excessiva de CO2 na atmosfera, quanto as palavras de Lovelock. Isso porque ele é tido como uma espécie de guru dos aquecimentistas, mais ou menos como o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, que comprou uma casa à beira-mar avaliada em milhões de dólares, muito embora pregue que o mar vai subir!

“Até mudar de ideia, Lovelock reverberava previsões aterrorizantes sobre o futuro do planeta. Em uma delas, afirmava que 80% da população mundial seria dizimada por catástrofes até 2100”, diz a reportagem. Aproveitando a onda alarmista, os defensores do ECOmenismo não perderam tempo e divulgaram suas propostas de salvamento do planeta, entre elas a separação do domingo como dia da família e de baixa emissão de carbono (proposta incentivada e abraçada de imediato pela igreja católica). Em 2010, numa entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, procurei mostrar a relação entre aquecimento global e neopaganismo (confira aqui).

“A evidência do aquecimento global é indiscutível?”

Veja(que no passado também embarcou no oba-oba do aquecimento com capas bem alarmistas) mostra que “Lovelock não foi o único cientista de renome a protagonizar uma mudança de prumo recentemente. Em setembro do ano passado, o físico norueguês Ivar Giaever, laureado com o Nobel em sua área em 1973, deixou a Sociedade Americana de Física (APS) por discordar da postura da instituição em relação ao tema. Disse Giaever, na ocasião: ‘A APS aceita discutir se ocorrem alterações na massa de um próton ou os múltiplos universos, mas a evidência do aquecimento global é indiscutível? Esse assunto está se tornando uma religião. Sou um descrente.’”

Palavras semelhantes foram usadas pelo teólogo adventista Sérgio Santelli em e-mail publicado na revista Vejado dia 29/12/2008 (confira aqui). Segundo o teólogo, o ECOmenismo estava se transformando numa “religião urbana de alcance global”. Que bom que outras pessoas perceberam a mesma coisa.

Mas a parte da declaração de Giaever que mais me chamou a atenção foi esta: “A APS aceita discutir se ocorrem alterações na massa de um próton ou os múltiplos universos [ideia totalmente hipotética], mas a evidência do aquecimento global é indiscutível?” Outras evidências também não são discutidas pelos defensores do mainstreamcientífico, especialmente os darwinistas. Voltarei a este ponto mais adiante.

“Não existem certezas absolutas”

É bom lembrar – e Vejalembra – que os céticos do aquecimento “não negam o fato de que o planeta está mais quente – quase todos os cientistas hoje concordam que a temperatura média da terra subiu 0,8 grau no século passado. A divergência recai sobre as causas da oscilação”. Entre elas, talvez, a atividade solar intensificada em anos recentes. Só que um fenômeno “natural” de aquecimento não poderia ser usado como argumento para promover mudanças (como a guarda do domingo) profundas entre a humanidade, com o fim de “salvar a Terra” da ação humana desastrosa.

Ponderação interessante da semanal: “A discussão, em si, não é um problema. Dos debates nascem as melhores soluções para uma questão. O perigo está no dogmatismo e na polarização exagerada.” Pena que esse argumento nem sempre seja defendido ou praticado quando o assunto é criacionismo e evolucionismo, por exemplo. E aqui eu volto ao ponto que deixei aberto lá em cima.

Vejacita as palavras do climatologista americano Richard Lindzen: “Quando uma questão se torna parte do programa político, a posição politicamente aceitável passa a ser o objetivo e não a consequência da pesquisa científica.” Esse programa pode ser, também, ideológico. Deixando mais claro: quando os cientistas se esforçam para defender o naturalismo filosófico, tratam de acomodar os fatos a essa cosmovisão, mesmo que esses fatos apontem noutra direção, no caso, a do teísmo e do designinteligente. E essa motivação, à semelhança da motivação política, nada tem que ver com a ciência experimental. Os céticos (nesse caso, os criacionistas e defensores do designinteligente) são vistos com preconceito e/ou indiferença; suas ideias e refutações são ignoradas, como eram as dos céticos do aquecimento, poucos anos atrás.

Vejadiz mais (e dá vontade de colocar estas palavras num quadro e pendurar na parede): “Não existem certezas absolutas na ciência. No entanto, não há como negar a contribuição do ceticismo para a elucidação da questão climática.” Que bom se isso fosse igualmente aplicado ao darwinismo… Repita a frase entre aspas trocando apenas “questão climática” por “origem da vida”.

Nunca é tarde para derreter dogmas.

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[Michelson Borges é jornalista e mestre em teologia]