Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalistas não esquecem da fama de agosto na política nacional

(Foto: tigerlily713/ Pixabay)

O bom e velho jornalismo não tem espaço para imprecisões. Mas que elas existem, existem, e não tem nada de mal falar porque não são fake news, mas fatos. Desde que comecei a trabalhar como repórter, em 1979, ouvi na redação que o mês de agosto não era legal para a política nacional. Foi em 24 de agosto de 1954 que o então presidente da República Getúlio Vargas se suicidou com um tiro. Em 25 agosto de 1961, Jânio Quadros, que ocupava a Presidência havia pouco mais de meio ano, renunciou com a intenção de voltar ao poder pelos braços do povo. Não voltou. Mas deflagrou uma crise nacional porque as Forças Armadas não queriam que o vice-presidente João Goulart, o Jango, do antigo PTB, assumisse. Ele só tomou posse porque o governador gaúcho da época, Leonel Brizola, ergueu o Movimento da Legalidade, que mobilizou os civis e a Brigada Militar (como os gaúchos chamam a polícia militar) em armas contra o governo federal.

Em 22 de agosto de 1976, o ex-presidente da República Juscelino Kubitscheck, o JK (1956 a 1961), morreu em um misterioso acidente automobilístico na Rodovia Presidente Dutra (São Paulo a Rio de Janeiro). Em 1992, o presidente Fernando Collor de Mello, o Caçador de Marajás, estava encurralado por escândalos de corrupção e resolveu pedir à população para que fosse para as ruas vestindo as cores da bandeira do Brasil em apoio ao seu governo. A população foi para a rua, mas vestindo preto em protesto contra o presidente. Collor renunciou ao mandato e foi cassado. E, por último, em 13 de agosto de 2014, Eduardo Campos, que concorria à Presidência da República, morreu em um acidente aéreo.

Estou usando a história do mês de agosto como gancho para refletirmos sobre o atual momento brasileiro. Começo falando que em todos os agostos citados (1954, 1961, 1976, 1992 e 2014) o rolo na política, economia e saúde pública não era tão grande como nos dias atuais. A pouco menos de dois meses das eleições presidenciais, a manchete sobre um golpe militar voltou aos noticiários por conta das ameaças do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), um capitão reformado do Exército saudosista do regime militar que governou o país de 1964 a 1985. Bolsonaro, desde que assumiu o mandato, em 2018, só tem armado confusão.

A primeira, que o tornou uma personalidade internacional, foi ter transformado em política de governo o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus da Covid-19, que causou uma pandemia que matou mais de 5 milhões de pessoas ao redor do mundo e 670 mil no Brasil. Toda a situação é explicada em 1,3 mil páginas no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, CPI da Covid. A última bronca armada pelo presidente foi convocar os embaixadores de 40 países para falar mal das urnas eletrônicas do Brasil.

Aqui é o seguinte. O grande problema das lambanças do presidente Bolsonaro é que elas se refletem nos mercados. Onde uma das consequências é a desvalorização do real perante o dólar americano, moeda usada no comércio internacional. E cada vez que o real se desvaloriza os preços das mercadorias sobem no varejo. Ao redor do mundo, a economia vive um dos seus piores momentos devido os reflexos da pandemia, agravados pela guerra entre Rússia e Ucrânia, dois grandes produtores agrícolas e de petróleo. Dentro de um ambiente econômico sensível como o atual uma asneira dita pelo presidente do Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, causa um estrago enorme nos mercados. Mesmo que seja uma bravata. Atualmente, o presidente investe em repetir no próximo Dia da Independência a tentativa de golpe que tentou no ano passado – há matéria na internet.

Pela primeira vez desde que Bolsonaro assumiu o seu mandato houve uma reação envolvendo vários setores da sociedade contra os ataques à democracia. Está circulando, com mais de meio milhão de assinaturas, a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”. A iniciativa foi da Faculdade de Direito, da Universidade de São Paulo. A inspiração dessa carta foi a de agosto de 1977, na comemoração do sesquicentenário da fundação dos cursos jurídicos no país. O professor Godofredo da Silva Telles Júnior leu a Carta aos Brasileiros, que denunciava a ilegalidade do governo militar e convocava uma Assembleia Nacional Constituinte. Além dessa carta, há uma pressão internacional, principalmente do governo dos Estados Unidos, para que o resultado das urnas seja respeitado pelo governo Bolsonaro.

Não vou especular sobre o que pode acontecer em agosto. Vou citar um fato. Na primeira semana de julho foi aprovada pelo Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) conhecida como a PEC da Bondade, que liberou mais de R$ 50 bilhões para o governo gastar em auxílio social. A ideia dos dois pilares que apoiam o governo, os parlamentares do Centrão e os Generais do Bolsonaro, é que esse dinheiro faça reverter nas pesquisas eleitorais o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP).

O dinheiro deve começar a chegar ao bolso dos beneficiários até o final de agosto. Se os efeitos da PEC da Bondade não reverterem a queda de Bolsonaro nas pesquisas o que vai acontecer? Seja lá o que for, se não for dentro da lei, como escrevi no post Golpe de Estado voltou às manchetes depois de mais de meio século, vão todos presos.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.