Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Luta de Bolsonaro com Lula será nas primeiras páginas dos jornais

Redações dos jornais precisarão ter cuidado com os Cavalos de Troia (Foto: brotiN biswaS/Pexels)

Fora do governo, o presidente da República Jair Bolsonaro (PL), para conseguir se manter nas primeiras páginas dos jornais, irá pautar a imprensa e causar grandes problemas para o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se inicia em janeiro. Lutar contra os seus adversários políticos e ex-aliados usando a grande imprensa assegurou por mais de três décadas a sobrevivência de Bolsonaro como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Por que iria mudar agora? Lembro os meus colegas uma frase dita por ele aos seus então colegas parlamentares sobre a mídia: “Falem bem ou fale mal. Mas fale de mim”. Claro, uma coisa foi se manter no noticiário usando a imprensa na condição de deputado do baixo clero, como são conhecidos os parlamentares sem notoriedade no seu trabalho na Câmara. Outra coisa será enfrentar Lula ocupando a Presidência da República. Que estratégia Bolsonaro usará para permanecer na capa dos jornais? É sobre isso que vamos conversar.

Vamos aos fatos. Atualmente há grupos de bolsonaristas ocupando a frente de vários quartéis do Exército pelo Brasil, pedindo a volta da ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985. É um movimento organizado, como relatórios policiais têm mostrado. Algum colega acredita que quem está por trás disso tudo é um imbecil e que os acampados têm poder de pressão para desencadear uma conspiração contra Lula nas Forças Armadas? O organizador do movimento não é um imbecil. Sabe que o Brasil é um país continental, urbano, industrializado, com mais de 200 milhões de habitantes. Ninguém toma o poder na mão grande. Portanto, quem está espalhando a ideia de que seria fácil tomar o poder aposta na ignorância das pessoas a respeito do assunto e no medo de quem já viveu uma ditadura militar. Essa pessoa não é um imbecil. É um estrategista. Vejamos. A ocupação da frente dos quartéis vinha desaparecendo das manchetes da grande imprensa. De uma hora para outra, voltou com vigor. O que aconteceu? Descobriu-se que cinco generais – há matéria na internet citado nomes e fotos – estavam sendo detonados pelos bolsonaristas nas redes sociais por não terem apoiado o golpe militar. O objetivo desse ataque aos generais tornou público que as Forças Armadas estão divididas entre os legalistas, aqueles que apoiam a Constituição, e os conspiradores, que pregam o golpe. Qual é o tamanho dessa divisão? Não sabemos. Mas temos publicado que, por conta dessa divisão, Lula tem dificuldade de se comunicar com os militares. Por isso o assunto continua na primeira página.

Essa história dos militares se mantém viva por conta do vazio de poder na Presidência da República. Desde que foi declarada a vitória de Lula, o presidente Bolsonaro tem se mantido longe do trabalho e não fala com a imprensa. Oficialmente, está doente. Nesses quatro anos, nós jornalistas aprendemos que o presidente é um conspirador de carteirinha. Portanto, assim que Lula assumir acaba o vazio no poder e o destino dessa crise artificial criada com os militares irá se resolver. De todos os abacaxis que a nova administração do país terá que resolver, a questão militar é a menor delas. E o que dizem os especialistas no assunto. Outra crise já está sendo gestada para manter Bolsonaro nas primeiras páginas. O governo Lula vai revogar todas as portarias e decretos assinados pelo atual presidente que flexibilizaram a posse de armas e munição. E possibilitaram a criação da figura do Colecionador, Atirador e Caçador (CAC), uma pessoa que pode colecionar armas e praticar tiro desportivo e caçar – há matéria na internet. O acesso a armas de fogo sempre dividiu a opinião dos brasileiros. Logo, tem potencial para alimentar uma grande polêmica. Aqui quero chamar a atenção dos meus colegas. Seria uma insanidade minha ficar fazendo um roteiro de assuntos que serão usados por Bolsonaro para ganhar as manchetes. Por quê? Nesses quatro anos de mandato do presidente nós jornalistas aprendemos que ele não é um cara de fazer um plano de trabalho. Ele acorda todos os dias, olha para que lado que o vento da discórdia está soprando e faz as suas apostas, que acabam pautando a mídia. Essa imprevisibilidade é que o torna eficiente. Também lembro que publiquei um post no último dia 4 chamado Redes sociais evitam que o destino de Bolsonaro seja o ostracismo? A resposta para essa pergunta é que não evitam. Os grandes meios de comunicação de massa do Brasil são os noticiários das emissoras de TV aberta, rádio e os jornais (sites e papel). É o que chamamos de imprensa tradicional. Bolsonaro e seus aliados, entre eles o ex-juiz federal e agora senador pelo Paraná Sergio Mouro, sabem como se movimentar entre os jornalistas dos grandes jornais e ganhar espaços nobres nas publicações.

Por ser na imprensa tradicional que as coisas se decidem é que afirmei que a arena da disputa de Bolsonaro com Lula será nas primeiras páginas dos jornais. Por sempre ter trabalhado com reportagens sobre conflitos – agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras – aprendi desde os primeiros anos da profissão, em 1979, como as coisas funcionam dentro das redações. Nos dias atuais todas as reportagens relevantes passam pelas mãos dos advogados da empresa. Esses profissionais procuram nas matérias “pontas soltas”, como chamamos as coisas mal explicadas. No princípio éramos contra a presença deles, hoje tenho a consciência de que eles qualificam o trabalho do repórter, que é o principal esteio da existência de uma redação. O legado de Bolsonaro para Lula é um país à beira do caos econômico (uma dívida nas contas públicas de mais de R$ 400 bilhões), social (mais de 40 milhões de pessoas passando fome) e uma intolerância religiosa inédita na história do país. Esse ambiente exigirá do jornalista muito conhecimento de causa para não publicar bobagem. Há um dito muito popular nas redações que é o seguinte: “A imprensa separa o joio do trigo e publica o joio”. É contra nós, mas é boa. Dias interessantes vêm por aí.

Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.