Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fundação espanhola que colabora com a imprensa latino-americana busca mudar a narrativa das histórias de migração

(Foto: Divulgação)


Publicado originalmente no blog Jornalismo nas Américas
Ao abordar histórias sobre migrantes no jornalismo, “temos que parar de falar sobre o caminho, porque isso está nos matando”, disse ao Centro Knight Lucila Rodríguez-Alarcón, diretora-geral da fundação espanhola de jornalismo e plataforma porCausa.
Na porCausa, uma plataforma espanhola jornalística e de investigação sobre migração, em vez de falar sobre o tema a partir de uma abordagem de direitos humanos em suas reportagens, “falamos de quanta impunidade é produzida no processo migratório e, portanto, de quanta corrupção,” afirmou Rodríguez-Alarcón. A ideia, continuou ela, é parar de nos fazer as mesmas perguntas sobre o assunto.
A equipe da porCausa é composta por um grupo multidisciplinar de pesquisadores e jornalistas que se reuniram há pouco mais de seis anos para tratar de questões sociais e de direitos humanos. Por três anos, especializou-se principalmente em questões de migração.
Rodríguez-Alarcón, que, além de liderar a porCausa, é engenheira agrícola e especialista em comunicação política, acredita que a confluência de várias disciplinas enriquece a investigação jornalística.
De início, Rodríguez-Alarcón disse: “Tínhamos o dilema de nos tornar um meio de comunicação ou servir a mídia; nossa decisão foi servir a mídia. Somos como uma redação móvel especializada em migração”.
Todo o conteúdo e materiais do site porCausa são de uso gratuito e download grátis. “De fato, eles nos copiam muito,” ela ri. “Estou muito orgulhosa disso.”
Embora o conteúdo jornalístico seja produzido para um público local, espanhol, as investigações, narrativas propostas e espaços internacionais onde ela se reúne para discutir a narrativa do jornalismo migratório são compartilhados com jornalistas e meios de comunicação da América Latina, como El Faro, de El Salvador; Nómada, da Guatemala; Animal Político e Periodistas de A Pie, do México, entre muitos outros na região.
Da mesma forma, disse Rodríguez-Alarcón, a porCausa está em constante colaboração com a Fundação Gabo. Um exemplo disso é que parte dos materiais e guias de seu relatório Novas narrativas sobre migração, publicado em 2019, foi usada ​​no workshop de reportagem e notícias sobre como contar e investigar a migração, conduzido pela renomada jornalista colombiana María Teresa Ronderos. O workshop foi realizado durante a edição mais recente do importante Festival Gabo, organizado anualmente pela fundação jornalística do falecido escritor colombiano Gabriel García Márquez.
PorCausa é uma “boa referência e um bom conector” para o jornalismo que cobre a migração, disse Ronderos ao Centro Knight. “Acredito que eles vão acabar criando a comunidade mais forte de jornalistas de migração, ajudando todos a se conectarem. Estão se tornando uma boa referência para profissionais que vão começar ou que já cobrem a migração”, disse Ronderos.
Fontes de financiamento
PorCausa depende muito de doações e de um sistema de associação. Também recebe receitas de trabalhos de consultoria e serviços como suporte técnico e organização de conferências, entre outros.
“Temos uma base de mais de 350 doadores, de quantidades muito variadas. Alguns deles são muito, muito grandes. Um doador único e privado responde por praticamente 25% do nosso orçamento”, explicou Rodríguez-Alarcón.
Uma das organizações que a ajudou, no início, foi a Open Society Foundations. “Não estaríamos vivos sem eles”, disse Rodríguez-Alarcón.
Ronderos, que na época era diretora do Programa de Fundamentos da Sociedade Aberta de Jornalismo Independente, contou as razões pelas quais decidiu apoiar o porCausa.
“O que gostamos foi que, primeiro, eles levam o público em consideração,” disse. “São extremamente abertos ao público, pensam muito sobre com quem estão falando. E acho que, na questão da imigração, até onde eu sei, é o grupo que mais pensou em como quebrar o discurso que sempre fica trancado em ‘bolhas’”.
Em questões migratórias, explicou Ronderos, sempre há o lado daqueles que são antimigrantes e, do outro lado, os que são pró-migrantes. “Esses grupos nunca se falam, e eles tentaram desenvolver uma narrativa muito original, muito linda, que transcende isso. Estão tentando pensar em como conseguimos chegar ao outro lado e como conseguimos quebrar esse tipo de bolhas que nos separam.” De acordo com a jornalista colombiana, atualmente diretora e cofundadora do Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP), eles apelam ao humor e a outras maneiras de dizer as coisas.
Novas narrativas e migração
Para Rodríguez-Alarcón, a questão da migração deve ser naturalizada, para ter abordagens contra-intuitivas e abrir debates geralmente inexplorados.
“Você precisa falar sobre vizinhos, sobre refeições, sobre música, sobre história,” disse ela.
“Porque quando você fala mal do migrante, você o exclui, mas quando fala bem dele, também o exclui, porque ele não deixa de ser um migrante, de ser diferente.”
No relatório Novas narrativas sobre migrações, publicado pelo porCausa em 2019, a investigação, que levou cerca de três anos, trabalhou em vários aspectos de como lidar com a migração. O projeto que resultou no relatório teve como objetivo repensar o significado de jornalismo sobre migração.
“As narrativas das quais queremos fugir são, por um lado, a antimigração e, por outro, a assistência social. A primeira está ancorada no medo; a segunda, na pena,” diz o site do porCausa sobre a abordagem do relatório. Sua premissa é transformar a narrativa existente para a cobertura da migração e reconstruir a estrutura que a circunscreve.
“A vida começa com a migração, os movimentos existem desde as origens da humanidade e são processos que não podem ser evitados por muitos muros construídos e controles que desejam ser impostos,” explica o site.
Da mesma forma, disse Rodríguez-Alarcón, jornalistas e pesquisadores devem começar a se fazer outras perguntas, como “quem está lucrando com a migração?”
Nesse sentido, em 2017, a porCausa realizou uma investigação completa sobre o setor de controle de imigração na Espanha. E incluiu todos os lobbies das diferentes empresas que compõem esse setor, “que é basicamente o mesmo setor de segurança e defesa,” disse Rodríguez-Alarcón.
Entre outros espaços de debate, a fundação organizou pela segunda vez o Congresso Internacional de Jornalismo sobre Migrações em outubro de 2019. Convocou jornalistas e meios de comunicação da América Latina e de outras partes do mundo para analisar as diferentes maneiras de abordar as histórias de migração em jornalismo.
Além disso, faz parte do escritório técnico do Fórum Ibero-Americano de Migração e Desenvolvimento, organizado pela Secretaria-Geral Ibero-Americana (Segib), cuja última edição introduziu, pela primeira vez, o tema das novas narrativas no debate.
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Paola Nalvarte é jornalista peruana e mora em Austin, Texas.