
(Imagem: Divulgação)
“Luis Miguel Dominguín diz que está resfriado e me recebe na cama: sua horizontalidade, aliás, é um tema recorrente para mim. A última entrevista que fiz com ele, há dois anos, já foi uma entrevista debaixo de um lençol. Os mesmos detalhes se repetem hoje: as caixas de cigarros loiros na mesa de cabeceira, um copo com alguma bebida ao alcance, o pijama cinza-claro, o crucifixo acima da cama, embora Luis Miguel não seja religioso (…)”.
A jornalista e escritora espanhola Rosa Montero entrevista o toureiro Luis Miguel Dominguín em 1978. Essa é uma das 28 entrevistas que realizou para o jornal espanhol El País e que foram parar no seu livro “El arte de la entrevista: 40 años de preguntas y respuestas” (Debate, 2019, 400p).
Consta também dela um livro anterior, publicado em 1996 pela Aguilar com 22 dessas entrevistas. Já o novo livro, ainda sem edição em português, é resultado de uma seleção pela própria jornalista das cerca de duas mil entrevistas que realizou para o suplemento dominical do jornal.
1976. A Espanha renascia com o fim do franquismo e o jornal nascia naquele contexto. Montero, uma jornalista recém-formada, concluiu o curso em 1975, foi convidada para colaborar e terminou encarregada das entrevistas com as figuras do seu país.
Mas isso foi só o começo. As entrevistas foram além das fronteiras. Montero, então, se especializou em entrevistas com personalidades. Passaram pelo seu escrutínio, entre tantos outros, Mario Vargas Llosa, Javier Marías, Paul McCartney, Montserrat Caballé, Harrison Ford e até o Aiatolá Khomeini:
“Para entrevistá-lo, tive que cobrir não só a cabeça, mas também as sobrancelhas com um lenço, porque nenhum fio de cabelo podia ser visto, e ainda me ordenaram que mantivesse a cabeça mais baixa que a dele o tempo todo, o que era bastante difícil, pois ele era um senhor de baixa estatura sentado no chão”.
Suas entrevistas ficaram marcadas por serem em profundidade e voltadas para a personalidade e as ideias do entrevistado. E ela desenhou o próprio método: o jeito Rosa Montero de entrevistar.
Primeiro, é preciso estudar o entrevistado, saber tudo sobre ele e guardar todas as informações, “e memorize tudo isso para que, se o entrevistado disser, por exemplo, ‘nunca fui membro de nenhuma organização política’, você se lembre imediatamente de sua filiação de seis meses à ORT (Organização Revolucionária dos Trabalhadores) em 1977”.
É importante também, e de preferência, cultivar uma atmosfera empática com o entrevistado, mesmo que não concorde com o que ele diz, pois o sucesso da entrevista, ela conta, depende mesmo é da fidedigna curiosidade do entrevistador pelo que o entrevistado tem a dizer. O trabalho é, portanto, deixar o entrevistado falar; mas é também ir além do que ele diz, no que fica nas entrelinhas.
É preciso também encontrar o tom certo para cada entrevista e, no caso dela, foi importante não seguir as diretrizes e o modelo do jornal: introdução informativa, seguida de perguntas e respostas até o final precedidas das iniciais do entrevistado e do entrevistador. Ela esqueceu de tudo isso e foi buscar novos formatos.
Um processo que se tornou cortar, cortar e cortar, até chegar ao resultado que se espera. Um texto que não se fez apenas com as declarações do entrevistado, mas também com observações, detalhes, gestos, emoções. Ela considera que faz um molde da pessoa e que não há como ter um padrão em entrevista. Tudo porque ninguém é igual.
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Gustavo Sobral é jornalista, mestre em Estudos da Mídia (UFRN). É também bacharel em Direito e, atualmente, graduando do curso de História (UFRN). Seus artigos e livros gratuitos para download estão disponíveis no site: www.gustavosobral.com.br
