
(Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
Atualmente o Brasil possui 11 agências reguladoras federais. Uma agência para cada ministro do STF, ou para cada titular de um time de futebol. Se essa fosse uma crônica, eu poderia escolher qual agência representa cada ministro, com base em seus perfis. Seria interessante, mas o foco aqui é outro.
Nome bonito, o termo “agência” foi importado dos EUA, onde tudo pode ser agência. Aqui, a doutrina enfrenta uma pedra no sapato com esse termo um tanto quanto indigesto ao arcabouço jurídico. A própria Constituição de 1988 fala em entes, e não em agências reguladoras. De qualquer forma, elas estão aí, como herança do New Deal, uma concessão tranquila da tradição neoliberal para abraçar o Estado regulador, desde que não interventor.
Talvez a mais conhecida delas seja a Anvisa, que por vezes aparece no noticiário. Outras, como a Antaq (transportes aquaviários) estariam na lanterna em uma pesquisa perante a opinião pública. A Ancine é até conhecida, mas não possui o carão de uma agência reguladora, razão pela qual faço questão de lhe informar, por aqui, que é o caso. A Aneel vem pra jogo quando apagões e tarifas nos assolam. Ela foi a primeira agência reguladora a ser criada no Brasil 1996. A caçula do time é a Agência Nacional de Mineração, criada em 2017, durante o governo Temer.
Em uma nota conjunta de junho de 2024, o time das agências reguladoras (com escalação completa), defende que “a escolha de um Estado regulador advém de uma evolução mundial quanto à forma de organizar as economias dos países, especialmente focando no que se entrega para a sociedade”.
Esse teor de “Estado regulador” entra no dia noticioso sempre que possível. Estamos falando de poder, e poder com certo grau de autonomia em relação aos governos. Com isso, uma nova cor surge no noticiário: não se parece com Judiciário, não é tão ligada ao Executivo, sequer ao Legislativo. “Anvisa nega registro de medicamento” e congêneres chamam a atenção do leitor. Mas o manancial de informações disponíveis nesses órgãos vai para muito além de um permitir ou negar.
A comunicação de ministérios e estatais costuma trazer um tom de propaganda que exige senso crítico do jornalista. Muitas vezes, a negatividade que buscamos noticiar (para mudar) reside em entrelinhas e letras miúdas. Na agência reguladora, a autonomia traz a capacidade de trazer a dura verdade: se há problemas, eles são informados sem muitos rodeios.
Tradução de tecnicismos, curadoria, seleção de melhores momentos, compilação e análise de dados… o jornalismo tradicional potencializa a autonomia desses órgãos técnicos ao dar a eles a dignidade de surgir ao público como conteúdo interessante e relevante.
Nem tudo, porém, se resume a elogios. Se a transparência já é deficitária em órgãos mais politizados, que dependem de uma imagem de “nada a esconder” perante a opinião pública, nas agências reguladoras, apartadas da instabilidade do voto e das nomeações, essa transparência é verdadeiramente um desafio. Desafio em nível de Lei de Acesso à Informação. Não é possível contentar-se com a primeira negativa de um pedido em uma agência. Cada negativa precisa enfrentar um recurso, até que chegue ao grau máximo: a Comissão Mista de Reclassificação de Informações. Mas não basta: exigir transparência ativa não é apenas lutar por uma mão na roda para o repórter apertado com o deadline, mas lutar pelo direito do cidadão à transparência nos atos do Estado.
Mas vale lembrar-se do dever do jornalista de batalhar junto pela autonomia desses órgãos tão peculiares no arcabouço administrativo brasileiro. Documentar ameaças de transformação de agências reguladoras em mais do mesmo, com apadrinhamento político e interferência político-ideológica, é salvar a possibilidade de extrair dessas a sua melhor versão para nosso ofício.
Uma rápida pesquisa nos permite entender aonde vai o jornalismo em relação a esses órgãos: “Aneel aprova bônus para contas de luz em agosto; crédito será automático”; “Anvisa alerta para lote falsificado de toxina botulínica; veja qual”; “Anatel aprova edital para leilão da faixa de 700 MHz”; “ANTT atualiza piso mínimo de frete com reajustes médios de 0,82% a 3,55%”. O conteúdo é de serviço, o que é comum para agências que lidam com normas técnicas de setores da economia. Mas comum não significa necessariamente correto. Se há política em tudo o que fazemos, há política nas agências reguladoras. Para além dos reajustes, leilões, aprovações e alertas, agências reguladoras devem ser encaradas como local de bastidores, de costuras, local de jogos de poder, como é em todo órgão de estado (e claro, também fora do âmbito público).
As reuniões documentadas (e às vezes gravadas) permitem extrair pormenores que não são tão evidentes na burocracia de atos administrativos ou mesmo na declaração protocolar de representantes. Ao jornalista, incumbido de sua tarefa de “cidadão profissional”, cabe participação ativa nas entrevistas coletivas, audiências públicas, seminários e demais atividades promovidas por esses entes. Em meio à autonomia, é possível extrair pistas importantes sobre os rumos da política nacional, para muito além do jornalismo declaratório que a rotina dos ministérios e gabinetes nos impõem.
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Vinicius Macia, Jornalista e analista de discursos. Especialista em Ciência Política, com foco em poder e establishment, e especialista em Jornalismo Investigativo.
