Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Locarno, seu futuro e os Leopardos surpresa

Publico no festival de Locarno

Festival de predominância francesa (Foto: reprodução AP Images – Locarno)

Terminou o Festival Internacional de Cinema de Locarno com uma indagação do seu presidente Marco Solari sobre o futuro dos festivais, diante das novas tecnologias que revolucionaram a maneira de se fazer e de se ver os filmes. Ao mesmo tempo em que saudou a digitalização ou numerização no mundo do cinema, Solari criou, antes de começar o Festival, uma comissão de jovens de talento e de diversas nacionalidades encarregada de sentir e julgar a maneira como funcionam os dez dias de Festival, tendo em vista o comportamento de seus espectadores nos próximos anos.

Uma primeira análise do público deste ano já revelou ser minoria a presença de jovens entre os espectadores. Isso significa que os festivais de cinema estão condenados a perder seu público e se restringirem à imprensa e profissionais do cinema. Como os jovens encaram hoje o cinema, a diversidade de filmes e as propostas apresentadas num Festival? A mini-tela dos celulares dos jovens concorre com os telões e telas de cinema dos festivais?

“Hoje os jovens já não veem mais a televisão” tinha dito Solari, em julho, no encontro com a imprensa para anunciar o programa de Locarno na sua 70ª edição. “Será que eles se interessarão aos festivais de filmes?” foi a pergunta lançada ao ar, ao anunciar a criação do Board de Jovens dentro do Festival, cujas primeiras reações serão anunciadas durante o decorrer do ano e debatidas pela direção do Festival. Por enquanto, nada anuncia uma perda de público. Apesar do frio noturno, em pleno verão, e um pouco de chuva, a Piazza Grande manteve seu público ao ar livre e houve afluência nas novas salas de cinema criadas

Mas as mudanças de comportamento costumam ser repentinas. Se os jovens não se sentirem atraídos, tudo poderá mudar nos próximos anos, não só em Locarno como em todos os outros festivais. Por isso, Locarno quer saber como se assegurar uma transição para o futuro, mudanças a serem imaginadas para os jovens que preferirão ver os filmes dos festivais nos seus celulares.

Os Leopardos surpresa

A edição dos 70 anos de Locarno não deixava surpresa, a partir do anúncio dos filmes selecionados. Seria um festival de forte dominância francesa, seja pelos filmes ou pela presença dos profissionais franceses, acabou sendo também ao nível do júri. E dos cinco premiados, quatro eram co-produções francesas.

O favorito absoluto era um filme americano do filho de David Lynch, Lucky, sobre um velho nonagenário, assimilado por sua semelhança ao Lucky Luke das histórias em quadrinhos. Em último caso, seria premiado o excelente ator, Harry Dean Stanton. Mas não foi.

O Leopardo de Ouro de Melhor Filme (Senhora Fang, de Wang Bing) foi para um documentário sobre uma idosa camponesa chinesa sofrendo de Alzheimer, na cama nos últimos dias de vida, sendo filmada, não se sabe com autorização de quem, numa espécie de morte pública.

O filme de Melhor Direção, Nove Dedos (de F.J. Ossang), esteve longe de obter apreciadores tal era o caos mostrado na tela.

O prêmio de Melhor Atriz para Isabelle Huppert, no papel fantástico de uma professora que se tornava incandescente, foi incompreensível. O tema era importante e focava a dificuldade se ensinar nas escolas localizadas em certas áreas da periferia, mas a própria Isabelle Huppert não apareceu para buscar seu Leopardo de Ouro, talvez por nunca ter acreditado numa premiação.

A atriz merecedora do prêmio era, sem dúvida, a portuguesa Isabel Zuaa, do filme brasileiro As Boas Maneiras, por ser a espinha dorsal do filme. Um prêmio à negra Isabel teria entusiasmado a crítica, não só por ser merecido, mas porque seria uma resposta às ondas de racismo existentes na Europa.

Premiar o filme em lugar da atriz não teve o mesmo efeito. As Boas Maneiras não corresponde à temática social dos grandes filmes brasileiros, sua história de lobisomem não convence e seu horror é de mau gosto. Mas como escreveu meu colega do jornal suíço Le Temps, um júri de Festival deve saber o que faz.

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Rui Martins é jornalista.