Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Brasil, o país atrasado

 

O Brasil é um país singular, como qualquer território, grupo humano ou indivíduo. Assim, não funciona muito compará-lo com a Coreia do Sul, os Estados Unidos, a Alemanha ou o Quênia. Estas comparações são feitas o tempo todo.

O país é único em suas características e trajetória, mas pode-se dizer, apelando para uma comparação, que prima por chegar atrasado. Quase sempre colocando o carro adiante dos bois.

Um grande brasileiro, o economista Ignácio Rangel, disse em entrevista há trinta anos: “O Brasil é assim. Sempre, ao lançar-se a uma tarefa, precisa com urgência de material humano que leva anos para ser formado.”

O mesmo raciocínio pode ser aplicado à maneira de trabalhar da imprensa, com raras e nobres exceções. Processos e fenômenos prendem a atenção depois de chegarem a um estágio avançado.

Veja-se a atual greve de servidores públicos. O noticiário põe o foco no duelo político entre o governo e os funcionários, o que é necessário, mas diz muito pouco sobre as razões, justas ou não, do movimento – ou dos diferentes movimentos que ganharam uma convergência temporal. Conhecer a trajetória dos movimentos grevistas é indispensável para entendê-los e avaliá-los.

No jornal Valor de hoje, a professora de direito da USP Ana Elisa Bechara afirma, a propósito do julgamento do mensalão, que “sempre o direito penal chega tarde demais, lidando com o fracasso – o dano já causado pela conduta criminosa à sociedade.” Ela propõe a “criação de programas e órgãos especializados no desenvolvimento de mecanismos de fiscalização de atividades ilícitas.”

A proposta se aplica ao trabalho da imprensa, que não pode nem deve tentar substituir os organismos encarregados de investigação criminal, civil ou administrativa, mas pode, e já deu provas disso, apontar realidades que passeiam no cenário do país à espera de quem as enxergue e denuncie.

Forma e conteúdo

Estabeleceu-se, em escala discreta e âmbito restrito a jornalistas, professores de jornalismo e aficionados, uma saudável discussão em torno da reforma gráfica do jornal O Globo, que veio à luz no domingo (5/8).

É uma reforma como tantas outras, mas acompanhada de uma declaração importante de um dos donos do jornal, João Roberto Marinho. Disse João Roberto que “o papel ainda é a melhor mídia, a melhor plataforma de suporte para você ter um conjunto de informação organizada e estruturada, capaz de aprofundar a abordagem dos temas.”

É verdade. Antes de tudo, porque os atuais consumidores de notícias, informações e conhecimento usam métodos de compilação, anotação e recuperação de dados que envolvem o uso de papel. Em outras palavras, a organização do trabalho intelectual ainda é tributária do papel, e não se sabe por quanto tempo continuará a sê-lo.

Mas o ponto essencial desta discussão não é sobre o suporte ideal para as palavras. A grande questão é saber se vai sobreviver o modelo de negócios que se baseia na estruturação de redações com a devida segmentação horizontal e com a indispensável hierarquia de comando. Não tanto porque o exercício do comando seja importante, mas porque a hierarquia se traduz em graus diferentes de filtragem, avaliação e edição do material chegado à redação.

Yo soy la voz

Yoani Sánchez informa hoje no site do El País que o governo de Cuba liberou a transmissão, nas rádios cubanas, de músicas com artistas que estavam banidos. A mais famosa hoje é Gloria Estefan. A mais importante no século 20 foi Celia Cruz, intérprete de uma canção que dizia: “Eu sou a voz de Cuba, sou a voz da Cuba de ontem.” E desafiava, desde os Estados Unidos, onde se havia estabelecido: “Sou livre como o vento.”

Também foram liberadas faixas de artistas cuja importância não se poderá exagerar. Entre eles, o saxofonista Paquito D’Rivera e o pianista Bebo Valdés, pai do também pianista Chucho Valdés. O problema, diz Yoani em seu blogue, é que os cubanos poderão não ouvir tão cedo os artistas liberados. Ou porque as emissoras não têm discos deles nos arquivos, ou porque vão preferir esperar para ver se a liberação é para valer. Em Cuba, é muito difícil alguém dar conscientemente um passo que lhe crie riscos de enfrentar a polícia. Salvo os bandidos propriamente ditos.