Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Do pessimismo midiático ao sucesso de Merkel

Desde o início da crise econômica mundial em 2008, iniciada com a falência do Banco Lehman Brothers, a pauta Crise nunca mais saiu dos noticiários europeus. Enquanto, na época, o presidente Lula falava sobre uma “marolinha” que, de fato, nunca chegou ao Brasil, no velho continente o início da crise não mostrava “somente” a obrigatoriedade de uma redefinição de como lidar com o mercado financeiro e suas ferramentas vorazes, mas trazia uma mudança de paradigma na mídia, tornando inevitável o questionamento do que realmente é notícia, do que realmente é informação.

Bem antagônica à brasileira, a mídia alemã tem tradicionalmente um caráter que vai do cauteloso ao extremamente pessimista, passando por jornais dos mais diferentes grupos-de-alvo. Até mesmo quando a Alemanha saiu invicta da fase classificatória da Eurocopa e entrou nas quarta-de-final, esse discurso não mudou. Durante o torneio, numa das coletivas de imprensa do time alemão, o atacante Thomas Müller se queixou do aspecto über-crítico e pessimista da imprensa alemã concernente ao desempenho da equipe no torneio:

“A impressão que eu tenho é que mesmo se levarmos a taça pra casa, teremos que pedir desculpas…”

A mudança de paradigma

No contexto da crise financeira de 2008, a Alemanha reagiu rapidamente com medidas duríssimas para segurar o efeito de avalanche que acometeu o velho continente. Grandes fabricantes de carros, como a Opel, tiveram que colocar seus trabalhadores em período reduzido de trabalho. Durante meses era incerto o destino da empresa. Como não poderia ser diferente, essas medidas tomadas pelo governo tiveram direta influência na vida dos alemães que naturalmente foram espelhadas pela mídia por vezes da forma mais leviana possível: através de semear medo. Mais do que um medo ou receio momentâneos: um medo existencial.

Ignorando qualquer código ético e de responsabilidade perante os leitores, jornais semeavam o medo, como se o mundo fosse acabar amanhã mesmo. Fotos em tamanho XXL de trabalhadores da Opel em frente à fábrica na cidade de Bochum e fotos de passeatas pelas ruas de Berlim se repetiam freneticamente. Na carroça do sensacionalismo, embarcaram não só o tabloide Bild, com suas letras garrafais – também a respeitada Der Spiegel trazia manchetes focadas naquele momento que assaltava o continente. Nesse contexto específico, ficou cristalino que a notícia deixou para trás o conceito de informação do momento e passou a ser de cunho apocalíptico com consequências, sem, claro, descrevê-las concretamente, mas deixando todo o campo aberto para os mais absurdos devaneios na mente dos leitores.

Depois de tornar pública a situação de falência do Estado grego (analistas econômicos já previam inadimplência meses antes), iniciou-se na mídia alemã uma dinâmica que é adubo perfeito e bem-vindo para políticos populistas e para mesas de conversa nos bares e cantinas do país. O tom em relação à Grécia, que, junto com Portugal e Espanha, sempre foi o que os analistas econômicos alemães chamavam de Wackelkandidaten (países candidatos economicamente oscilantes, não confiáveis), foi se tornando cada vez mais duro, em forma de chacotas sobre os gregos através das redes sociais e populismo e oportunismo por parte de políticos de quase todos os partidos. Durante o jogo em que a Alemanha goleou a Grécia na Eurocopa, um torcedor alemão postou no Twitter: “Vejam como somos condescendentes com os gregos: eles não só recebem o nosso dinheiro, mas também os nossos gols…”

Paciência esgotada com a Grécia

A enxurrada de notícias sobre os inúmeros pacotes de resgate para a Grécia, os valores astronômicos que a Alemanha já disponibilizou à Grécia e o uso inflacionário do substantivo crise, ao invés de instigar leitores a uma maior disponibilidade em se inteirar do assunto, causa um fenômeno de dormência intelectual e, consequentemente, alienação às notícias sempre com o mesmo foco e cunho. Se a notícia é de um pacote EMS, ou outro nome, se o pacote da Grécia é o número 1, 2 ou 3, não faz mais diferença alguma na percepção da opinião pública. O valores mencionados na mídia são inimagináveis para quem não é expert em finanças. Se o contribuinte já está pagando do seu bolso ou só pagará daqui a 10 anos a ajuda alemã para a Grécia, também ninguém sabe ao certo. Fala-se dos gregos, que viraram ovelhas negras na Europa. A fração dos políticos agora se divide por quem é a favor e quem é contra a permanência da Grécia na Zona do Euro.

O publicista e analista de mídia Roger Willemsen, na palestra “Crise financeira: Um perigo para a democracia?”, afirmou: “A mídia tenta nos vender o peixe de que a notícia serve para nosso esclarecimento, mas, na realidade, a notícia, principalmente na área política, alcança uma despolitização no leitor, uma indiferença e consequentemente uma alienação a tudo o que acontece a nossa volta.”

A crise, primeiramente na Grécia e em perfeita dinâmica dominó na sequência em Portugal e na Espanha, abriu espaço na mídia para políticos conservadores e populistas. Redações de talk-shows em horário nobre fizeram notórios (quase) aposentados saírem do ostracismo, como Theo Weigel, ex-ministro das Finanças na Era Kohl e considerado o “pai do euro”, e o notório inimigo da Grécia, o ex-ministro-presidente da região da Baviera Edmund Stoiber, hoje responsável por assuntos europeus em Bruxelas. Não há um programa de cunho político que não tenha a crise do euro – e por consequência a possível “saída” da Grécia da Zona do Euro – como pauta.

Jean-Claude Juncker, ministro-presidente de Luxemburgo e chefe do “Grupo Euro”, tornou-se o queridinho da mídia quando se trata da renitente inadimplente Grécia. Imagens sempre com a mesma dinâmica e dramaturgia mostram um Juncker invocado com a Grécia e seus permanentes protelamentos em implementar medidas não populares para a estabilização da moeda no país. Certa vez, perguntado pelo repórter da TV pública ZDF se a União Europeia estaria com a paciência esgotada com a Grécia, lacônico e com ares de quem não está de brincadeira, ele respondeu: “Sim.”

Os noves fora de Angela Merkel

Em contraponto às notícias apocalípticas envolvendo Grécia, Portugal e Espanha, a Alemanha se exibe com estatísticas como manda o figurino de uma economia robusta e imune ao tsunami econômico que acontece ao seu redor: redução da taxa de desemprego e lucro recorde na área de exportação, além de altíssimo poder de compra. O que sobra na mente dos leitores das notícias inflacionárias sobre a crise é a ideia de que a Alemanha está bem. Angela Merkel dá conta do recado. Detalhes não interessam.

A chanceler não só está na lista das revistas Forbes e Times como uma das mulheres mais poderosas do mundo. Ela, de fato, governa a Europa diretamente da Chancelaria Federal, no centro de Berlim. Decerto que depois do fim da dupla Merkel/Sarkozy, a chanceler perdeu um aliado sempre disposto a seguir a sua linha sem mais delongas, mas mesmo assim as estatísticas econômicas positivas sobre a economia alemã e o pulso forte que grande parte da opinião pública atribui a Angela Merkel fazem da crise do euro o melhor cabo eleitoral possível para as eleições federais em 2013. Formada em Física, Angela Merkel goza de ímpar capacidade analítica, não deixando nada ao acaso. Solta sempre as mesmas frases, como um texto bíblico apocalíptico que não deixa de ter caráter ameaçador: “O fracasso do euro… é o fracasso da Europa”, no sentido concebido por Kohl, Mitterrand e Gorbatchev; a “Casa Europa” com a mesma moeda e futuramente com um só governo.

Com esse credo, ela vai semeando o terreno para o ano de 2013. Em entrevista à rede ZDF no programa Berlin Direkt (15/7), Merkel mandou seu discurso de sempre. A entrevistadora, Bettina Schausten, visivelmente nervosa, no fim de uma entrevista previamente ensaiada, decorada e por isso pobre em conteúdo, disse: “Eu tenho que perguntar se a senhora vai se candidatar em 2013, a senhora ainda não mencionou…”. Merkel respondeu: “Já mencionei, sim. Vou me candidatar. Governar me diverte.”

Com excelentes notas de analistas políticos e financeiros concernentes ao seu desempenho no “empresariado da crise”, Angela Merkel é a única alternativa para 2013 e isso ela deve à crise do euro e ao alto caráter de impermeabilidade causado pela mídia.

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[Fátima Lacerda é formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]