Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um festival de besteiras

A palavra ‘hermenêutica’ é definida como: (1) interpretação do sentido das palavras; (2) a arte e ciência de interpretar textos sagrados; e (3) a arte e ciência de interpretar leis. Essa palavra vem do grego hermeneo e significa ‘explicar, interpretar, traduzir’. O termo está ligado à mitologia grega: o deus Hermes era o mensageiro dos deuses, mas ele não somente transmitia mensagens, como as interpretava também. Daí surgiu a palavra ‘hermenêutica’. A hermenêutica bíblica, obviamente, se limita à interpretação do texto bíblico. E se vale de regras para fazer isso.

Pois bem, comprei e li a matéria de capa da revista Galileu de janeiro, cujo título é ‘Dá para viver segundo a Bíblia hoje?’ Fiquei estarrecido. Geralmente evito o tom jocoso no que escrevo, mas não consegui pensar em outro título para este texto. O que li, descontando uma ou outra coisa, foi pura bobagem. Num só artigo, Galileu consegue subverter, desrespeitar e quebrar todas as regras básicas da hermenêutica.

O autor é o jornalista Cláudio Julio Tognolli, assumidamente devoto do ateu e ‘devoto de Darwin’ (Veja) e Richard Dawkins. Logo de início, Tognolli se sai com esta:

‘Começa aqui uma contradição que contrapunha à minha vida dois salmos. Afinal, Jeremias (13:23) sugere que o leopardo não pode mudar as suas manchas. Bem, costumo ir à academia de ginástica todos os dias, tentando perder a barriguinha. Pior: vi que a sunga utilizada para a empreitada tinha três tipos de fibra. Larguei a academia e fui buscar cuecas de algodão. Mas a única que tinha em casa era uma importada que foi deixada por uma ex-namorada que adorava usar peças íntimas masculinas. Não me julgue mal (não julgueis para não serdes julgado, diz [Mateus 7:1]). A solução foi comprar cuecas novas. Torrei mais de R$ 150. E meus membros doíam com a falta da academia.’

Conhecimento que liberta

Tognolli podia ter-nos poupado de conhecer os hábitos esquisitos de sua ex-namorada… Mas deixa pra lá. O pior mesmo é demonstrar logo de cara que não está preocupado em saber o que os textos dizem de verdade. Afinal, o que tem a ver Jeremias 13:23 (passagem que mostra a impossibilidade de o homem mudar o coração por si mesmo) com ir ou não à academia?

Depois, o repórter que se propôs viver biblicamente mas pagou para uma cigana ler sua mão e rezou o terço bizantino dando a entender que essa prática é bíblica, escreveu:

‘Não consegui seguir a Bíblia em muita coisa. Por exemplo, Efésios 5:4 proíbe obscenidades, falar bobagens [escrever também…]. Bem, no dia 2 de dezembro, um domingo, meu time do coração, o Corinthians, caiu para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Mesmo barbado [aliás, Tognolli parece pensar que usar barba é a maior expressão de religião bíblica, pois vive falando disso no texto] tendo rezado o Terço Bizantino [não disse?] que padre Marcelo em pessoa me deu há quatro anos, estou aturdido pelos estupores da derrota: blasfemo, blasfemo piamente. Como é dito em João 8:32, só a verdade me libertará. A verdade da derrota não me libertou: sucumbi e xinguei quatro palmeirenses do edifício em que moro.’

Deixando a piada sem graça pra lá, se Tognolli tivesse mesmo lido a Bíblia descobriria que o mesmo João diz que a verdade, na concepção bíblica, é uma pessoa: Jesus. É o conhecimento d’Ele (e é bom que se diga que no pensamento hebraico conhecer é experimentar, se relacionar) que liberta, não o mero conhecimento de coisas e fatos.

Um Deus pessoal

Numa conversa com um pastor batista (uma das poucas partes boas e que fazem sentido na matéria, diga-se de passagem), o repórter pergunta: ‘Pastor, sou professor e corrijo provas. Como, então, seguir Mateus 7:1, `Não julgueis para não serdes julgado´?’ Que é isso? Nem parece o mesmo Claudio Tognolli que escreveu livros como A Sociedade dos Chavões, do qual gostei bastante. Aliás, nesse livro, ele afirma que ‘o espírito independente… perde sua desenvoltura e liberdade, sobretudo numa sociedade que cada vez tem menos tempo de ler e se serve cada vez mais da imprensa como alimento de sua formação de consciência e juízo’. Como, então, sabendo disso, Tognolli presta esse desserviço aos leitores que não lêem a Bíblia mas vão pensar que o que ele escreveu é a verdade?

Um jornalista que escreve sobre chavões não é capaz sequer de entender um texto tão simples quanto Gênesis 2:18. Ele escreveu:

‘Confesso ao obreiro [da Assembléia de Deus] que fiquei sozinho horas e horas lendo as escrituras [nem parece…]. E que, portanto, fui contra Gênesis 2:18, para o qual não é bom ao homem ficar sozinho.’

Se Tognolli lesse o texto em seu contexto e com um pouco mais de atenção, notaria que ele se refere ao casamento e, quem sabe, resolveria reatar com a namorada que usava suas cuecas.

E ele encerra o texto com esta pérola: ‘O que levo disso? Talvez a certeza de que posso montar o meu Deus pessoal como um prato de restaurante a quilo.’ Não sei, não, mas acho que ele já tinha pensado em concluir a matéria desse jeito, quando encarou a pauta. Fazer o quê?

Quer conhecer alguém que viveu coerentemente os princípios bíblicos? Tenho o prazer de lhe apresentar Jesus.

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Jornalista