Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A tecnologia está engolindo a imprensa?

Uma polêmica divide os mais antenados jornalistas norte-americanos em torno das relações entre as novas tecnologias e a imprensa. A grande pergunta é: Estaria a tecnologia engolindo a mídia de massa?

Ilustração Pixabay arquivo 419199 / Creative Commons

Ilustração Pixabay arquivo 419199 / Creative Commons

O debate acontece no site Medium.com e entre todos os participantes selecionamos dois: John Herman, ex-editor do BuzzFeed e atual co-editor do site The Awl; e Jill Abramson, ex-editora executiva do The New York Times e atual professora de narrativas criativas na universidade Harvard.

John Herrman: As plataformas tecnológicas condicionam as estratégias editoriais

John Herrman / Foto PoliticoMedia

John Herrman / Foto PoliticoMedia

Qualquer indústria que seja suficientemente poderosa para absorver o quarto poder vale a pena ser estudada em profundidade. Isto não é propriamente um paradoxo. É desorientador. E, de repente, é urgente. A tecnologia está tomando conta da mídia.

Mas vamos voltar um pouco. Nossos líderes de tecnologia mais falantes e mais visíveis – os evangelizadores do capitalismo de risco, os relutantemente famosos fundadores e diretores-presidentes – estão, alternadamente, impertinentes e seguros de si. Em primeiro lugar, chamam a atenção para um problema; em nome dos consumidores e dos clientes, declaram guerra à indústria que o criou; se conseguirem ganhar impulso, olham para mais longe e falam em despedaçar não só as indústrias, como a maneira de se farem as coisas. Por outro lado, já tendo o domínio de seus territórios específicos, eles se encontram, subitamente, em condições de dominar outros; contando com o capital e a confiança como vento a favor, e talvez até um senso de responsabilidade, eles impõem sua marca específica de desorganização a tudo aquilo em que tocam. E se desenvolvem. Evidentemente!

Boa parte das críticas à tecnologia reúne-se em torno desses desempenhos, seja rejeitando as denúncias da indústria como descaradas e arrogantes, ou aceitando-as como uma fatalidade. É claro que há uma terceira forma de abordar essas denúncias e aquilo que resulta delas. Compreendendo-as como promessas que possivelmente serão cumpridas. Ou como ameaças que, se não forem iminentes, pelo menos são genuínas. Aceitá-las ou rejeitá-las menos do que levar tudo demasiadamente a sério.

O que me traz de volta à mídia – isto é, à mídia profissional, preocupada com a produção de todo tipo de conteúdo, mas, especialmente, com a notícia. A exposição de fatos novos, e teimosos. A descoberta de narrativas compensatórias. A imprensa, como é normalmente (e, muitas vezes, de maneira imprecisa) mencionada. Até recentemente, esta mídia gozou do privilégio de concorrer consigo própria. Os websites que passaram a divulgar jornais impressos ainda eram reconhecíveis como publicações; as operações jornalísticas, orientadas por redes sociais, que vêm fazendo o mesmo com os websites eram semelhantes, em sua forma como um todo, às operações de entretenimento com uma centena, ou mais, de anos. Cada um deles utilizou as ferramentas e, às vezes, a linguagem da indústria tecnológica para operar empresas de mídia; as que alegavam ser empresas de tecnologia – seja para se distinguirem entre si ou para levantar dinheiro – exageravam seus casos, de uma maneira geral. A recente sugestão de que a Time Inc. possa, de alguma maneira, tornar-se uma “empresa de tecnologia” goza de menos credibilidade do que a caracterização feita por Nick Denton, em 2011 e por algum tempo depois, da Gawker Media como uma “empresa de tecnologia com produtos editoriais”, a qual, por sua vez, tem menos credibilidade do que as alegações da Vox e do BuzzFeed. Mas mesmo essas empresas acabaram se parecendo mais com editoras que aprenderam com a indústria tecnológica – negócios de publicidade com o olho aberto para o que acontece com o vizinho.

Mas isso está mudando. Já venho dizendo há algum tempo que as empresas de mídia online e, em especial, as operações jornalísticas, vêm perdendo parte da influência que tinham sobre suas audiências – em alguns casos, intencionalmente, mas não em sua maioria. Por um lado, o número de pessoas que elas alcançam é potencialmente maior do que nunca; por outro, alcançam essas pessoas, assim como boa parte de sua antiga audiência, através de parcerias terceirizadas cada vez mais amplas. Isso é apenas no plano da audiência. A equipe de publicidade vem chegando a um acordo sobre o modo pelo qual o modelo de negócios de sua indústria vem concorrendo, de forma direta, com seus novos parceiros, muito maiores. Não se trata apenas de uma mudança importante. É uma mudança total de contexto.

E aquela conversa maior, aquela que a mídia de tecnologia vem lutando para abordar, sobre tecnologia e softwares mudando tudo, indústria por indústria? Agora, essa mudança está aqui. E não só porque alguma das inúmeras pessoas ou empresas que se dispuseram a desorganizar, modernizar ou simplesmente consertar a produção de notícias e entretenimento ganhou. Não: a mudança vem de fora, intrometendo-se num nível e velocidade imprevistos. A tecnologia vem assumindo o controle da matéria – inclusive, da sua própria.

Portanto, voltando à denúncia: a tecnologia está tomando conta da mídia. Acho que isso não está em discussão para ambos os lados. Só o colocam de maneira diferente, deduzindo caracterizações distintas do outro lado: aquelas empresas de mídia estão errando, seus modelos de negócios foram destroçados, estão impedindo a passagem, como sugeriu Josh Elman no Twitter, de pessoas que estão tentando mudar o mundo, e estão propensas a ver más intenções em tudo o que fazemos. Ou então: aquelas empresas de tecnologia e aqueles defensores do capital de risco só estão tentando evitar um exame profundo e remover um possível desgaste de seus planos de negócios. Eles querem o poder absoluto sem qualquer supervisão.

Nenhuma das caracterizações é apropriada, mas ambas têm um fundo de verdade. Há editores que escrevem críticas ferozes sobre qualquer assunto. E há defensores do capital de risco que querem escapar às custas de coisas que não deviam fazer. Há repórteres que se ofendem com a indústria tecnológica por precarizar seus empregos; e há desenvolvedores que detestam ver seu trabalho, e o trabalho de seus colegas, criticado por pessoas que eles consideram intrusos.

Portanto, voltando agora ao problema: a mesma mídia que contou, ou ajudou a contar, a história da internet durante as duas últimas décadas, assim como das empresas que marcaram época e cresceram com ela, foi absorvida pelo seu tema, que precisa cada vez menos dela. De certa forma, essa mudança foi surpreendentemente fácil: uma indústria que contava com o apoio de um conjunto de modelos de publicidade vem simplesmente encontrar apoio com outro. Mas a maneira pela qual isto alterou a relação entre a mídia jornalística e seu tema – a reconstrução da indústria, a consequente ascensão de uma nova classe de empresários e as inúmeras consequências sociais, culturais e políticas desta mudança – tornou-se menos sutil. As ideologias latentes manifestam-se ativamente. Atualmente, o conflito transbordou, tornando-se antagonismo.

A reação inicial da Amazon a uma reportagem crítica e exaustiva no New York Times sobre a cultura empresarial da firma e o “doloroso” local de trabalho foi rápida e decisiva. O próprio Jeff Bezos escreveu um comunicado aos empregados. Jay Carney, ex-secretário de Imprensa da Casa Branca e recém-nomeado vice-presidente da Amazon para assuntos corporativos no mundo inteiro, apareceu na televisão para defender a empresa. E dois meses mais tarde Carney voltaria a atacar: desta vez, neste site [medium.com], onde questionou a credibilidade de fontes individuais citadas na matéria, acusou uma delas de desonestidade na época em que trabalhava na Amazon e citou, na íntegra, e-mails de um dos repórteres enviados à Amazon durante o processo de levantar a reportagem.

Ele acusou o jornal de não atender aos princípios éticos do jornalismo e, em sua capacidade de representante da Amazon – a empresa digital varejista que teve grande êxito ao dominar toda a indústria de livros, que administra a mídia através dos milhões de seus dispositivos Kindle e tablets e cujo dono recentemente comprou o Washington Post – sugeriu que a repórter se teria desviado das “práticas-padrão” do jornalismo. E foi mais longe:

“Da próxima vez que você vir uma citação sensacionalista no Times, como ‘vi quase todas as pessoas com quem trabalhei chorando, às suas mesas de trabalho’, você poderá perguntar-se se é o caso de um trecho fundamental de contexto de uma matéria pregressa que está faltando – como, por exemplo, o reconhecimento de fraude – ou se o Times decidiu, por algum motivo, que não era importante verificar a informação.”

Isto é mais que uma reação ou um desmentido. É uma tentativa de repúdio institucional – uma inoculação contra futuras coberturas – não de uma publicação, mas de todas.

A Amazon sempre teve uma relação tensa com a imprensa; sua proverbial resposta “sem comentários” tornou-se uma piada, ao longo dos anos, entre as pessoas que fazem cobertura. Mas esta audácia – não apenas ignorar, ou afastar a imprensa, mas travar uma guerra direta com ela – é uma novidade. A Amazon reagira de forma direta, num local de sua escolha; consequentemente, o editor-executivo do Times veio encontrar Jay Carney aqui, no site medium.com, para dar uma resposta. A Amazon não tentou ganhar um argumento. Assumiu o controle da conversa, ou pelo menos tomou-o das mãos do Times. Não se tratou de um press release desmentindo uma informação ou de uma matéria divulgada por uma publicação concorrente, ou de uma carta ao editor. Foi uma tentativa de dominação.

A imprensa contou inúmeras histórias sobre o desmembramento da indústria da mídia, inclusive partes de sua própria história. Mas agora essa história se desdobra de maneira completa e irrevogável: atualmente, nenhuma organização de mídia já existente deixa de reavaliar seu modo de ser. O que distingue uma da outra é se o está fazendo por pânico, por perplexidade ou, se tiver sorte, por um otimismo tenso.

Como repórter de mídia, talvez eu tenha sentido isso de maneira penetrante – a maior história de mídia dos últimos cinco anos foi, sem dúvida, o Facebook. A cobertura e análise que fiz desse assunto foram distribuídas, em grande parte, pelo próprio Facebook. A cobertura que a mídia faz de si própria é, naturalmente, tensa, mas não se trata propriamente disso. A cobertura que a mídia faz da indústria de publicidade que a apoia é um problema igualmente insolúvel que ficou numa espécie de remissão propensa a conflagrações, mas também não se trata propriamente disso. Trata-se de ambas as coisas e um pouco mais: a perda na relação direta de uma publicação com sua audiência é uma sombra lançada sobre tudo o mais que elas fazem.

Que Jeff Bezos possua uma das maiores operações de mídia do país e dirija uma de suas maiores empresas varejistas é fácil compreender e um fator para avaliação do homem, da empresa ou de seu jornal. Que a audiência desse jornal, assim como da maioria das outras publicações importantes, pertença cada vez mais a plataformas, é um tipo de mudança maior, mas menos familiar. Deve falar através delas. Assim como o devem fazer os repórteres de Bezos, seus colunistas de opinião e seus anunciantes, ou equivalentes, em outros lugares, assim como as pessoas e instituições sobre as quais escrevem. É uma mudança de forma e de lugar na qual todas as relações – entre leitor, editor, jornalista, anunciante e tema – sejam alteradas para se adaptarem aos termos de um novo apresentador.

Um argumento contra esta narrativa de conflito iminente é de que se trata simplesmente de uma preocupação dos negócios sendo ameaçada – uma imprensa tradicional que foi lançada num estado de confusão e medo, perguntando-se como continuará existindo e tomando por certo que deve procurar alguém para jogar a culpa e decidindo que seus mais valiosos novos parceiros são, na verdade, inimigos. (Uma popular conta no Twitter, entre as acima citadas “evangelizadoras do capitalismo de risco”, é Pessimists Archive, uma coleção de respostas críticas a tecnologias atualmente comuns. Algumas mensagens são genuinamente pessimistas, ou equivocadas; outras simplesmente criticam algo que posteriormente se tornou importante, embora algumas pessoas que compartilham essas mensagens possam contestar esta distinção.)

E pode haver alguma verdade nisso. Porém, incapaz de substituir a imprensa livre por um equipamento de relações públicas de propriedade total de seu personagem, também coloca questões com que qualquer tipo de substituição teria que lidar. Atualmente, a indústria tecnológica está em condições – pelo menos, por algum tempo – de criar e controlar um conjunto de incentivos que irá definir as próximas grandes organizações de mídia – tanto as que já existem, quanto as que começarão amanhã. No meio tempo, abundam o desdém e a impaciência entre alguns líderes na indústria que, aparentemente, consideram essas plataformas sistemas naturais ou extensões virtuosas do capitalismo – como se fossem, elas próprias, mercados que esclarecem a atenção.

Outro argumento: este é um conflito que não surge em nossas cabeças como definido por sua própria existência. Se, como parecem pretender Facebook, Google, Twitter e Snapchat, ou qualquer outro grupo de empresas substituírem os jornais, as redes de TV e os websites, ou, dizendo mais corretamente, a infraestrutura de mídia que previamente já existia como um todo, e eles próprios se tornarem as grandes empresas de mídia de sua época – dando assistência não apenas à distribuição, mas à criação de novas mídias e alcançando um patamar previamente inimaginável, não haverá conflito: o destino da publicidade, das relações públicas, da informação jornalística, do entretenimento, da edição e do consumo de informações é ser um único, enquanto o conceito o conceito de indústrias de tecnologia e de mídia separadas será relegado ao passado. A coexistência de plataformas comerciais de gestão centralizada que controlam a distribuição de conteúdo e a receita poderá fazer velhas ideias sobre independência editorial e revelação de conflito parecerem pitorescas.

Nada disto é uma sugestão de que qualquer grande parte da mídia, tal qual ela existia antes das plataformas de app e dos conglomerados dominantes, não seja grata a ninguém. A indústria de TV está corrompida por co-dependências e camadas de conflito; a propriedade da mídia mainstream tendeu recentemente – no auge e na falência – a uma consolidação repugnante. (Avalie, por exemplo, como tomamos por certo o lançamento espetacular do último filme do seriado Guerra nas Estrelas.) Também é impossível compreender qualquer mídia de maior importância sem levar em conta os vários papéis da publicidade: na concepção e produção das matérias individuais; na maneira pela qual uma publicação é distribuída, projetada e criada; e mesmo as coisas que tomamos como certas, como a duração de um espetáculo de TV, resultam das exigências do anunciante. Empresas que gozam de apoio publicitário com maior controle sobre sua distribuição, tiveram que fazer concessões, profundas e constantes, mas tentaram fazê-lo de maneira a que sua audiência não notasse ou não se incomodasse muito, ou de maneiras que parecessem de pouca importância ou irrelevantes para com suas missões ou identidades. Velhas ou novas, essas empresas frequentemente falharam.

Mas isto só fortalece a questão de compreender os conflitos no centro de nossa incipiente galáxia de mídia, atenção, publicidade e distribuição. Qual será a concessão a ser feita com base nas novas mídias de informação? Qual será a tensão que irá dar ânimo às mídias – tanto a mais poderosa, quanto a menos poderosa que aquela que deixamos para trás? (A mais poderosa poderá expandir seu alcance e audiência e influenciar de maneiras inéditas até então; a menos poderosa, próxima à indústria que consolidou as economias de interação midiática e social e que agora inclui todos os tipos das velhas conversas pessoais offline, e que encontrou novas formas de fazer dinheiro a partir de tudo o que foi dito acima.)

Portanto, diga-me: como se pretende que funcione essa relação? Com que se parece essa mídia, mais nova e melhor, construída a partir de plataformas – talvez como esta? E como irá ela falar a respeito dos conflitos que permitem que ela exista?

Ou seria esta apenas a estrutura errada – um velho argumento colocado num novo mundo? Se for este o caso – se isto parecer apenas uma preocupação equivocada sobre uma mídia acidental ou conflitante, cuja missão somente poderia ser melhorada por alguma mudança –, então, eu gostaria de saber.

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Jill Abramson : o mundo do conteúdo distribuído é que está engolindo a imprensa

Caro John [Herrman],

Jill Abramson / Foto Wikimedia / Creative Commons

Jill Abramson / Foto Wikimedia / Creative Commons

Acho que o quadro que você apresenta é o correto. Mas a questão não é apenas que as organizações e as empresas de mídia queiram se transformar em empresas de tecnologia. É que parecemos ser transportados para uma maneira completamente diferente de publicar matérias – a expressão da moda é conteúdo distribuído.

É uma mudança profunda. Antes, a maior parte das publicações digitais tinha o mesmo objetivo: publicar boas matérias que eram exclusivas de uma única publicação, como o New York Times ou o Buzzfeed. A publicação queria conduzir a audiência para seu próprio website individual ou app, para que lesse esses artigos e desenvolvesse uma fidelidade à marca – e, talvez, atrair novos assinantes, pelo menos no caso do Times. Em seguida, era maravilhoso ver a matéria estourar nas redes sociais.

Na primeira fase da internet, os publishers competiam como nos dias dos jornais impressos de antigamente. Ao publicarem um furo importante em seu site e arrastarem uma grande audiência para as matérias “exclusivas do Times” ou “exclusivas do Buzzfeed”, supunha-se que os leitores passassem a buscar regularmente uma fonte de mídia confiável ou de entretenimento.

Os programas agregadores começaram a enfraquecer esse modelo. Mas o conteúdo distribuído é algo mais radical. No início da internet, Arthur Sulzberger Jr. disse que se considerava “agnóstico” em relação à forma pela qual um leitor do Times absorvia o conteúdo do jornal – através do jornal impresso ou do digital – desde que saísse no New York Times. Atualmente, temos grandes empresas, como a Facebook ou a Snapchat, divulgando furos, publicando matérias e cobertura de última hora diretamente de suas plataformas. Os publishers tradicionais recebem uma porção de vantagens em potencial, principalmente expondo uma audiência de bilhões de pessoas ao seu jornalismo, além da receita suplementar de publicidade, a ponto de terem que ver, em sua maioria, o rápido crescimento de sua receita publicitária de maneira a apoiar o jornalismo de responsabilidade, caro e fundamental. Significaria o conteúdo distribuído que atualmente os publishers se tornaram agnósticos em relação à forma pela qual os leitores descobrem e leem o trabalho publicado? Alguém poderia argumentar que uma matéria lida no Facebook, de um texto do Instant Article, é tão boa quanto outra lida num app individual ou num website.

Não tenho uma posição clara, mas tenho preocupações. Preocupo-me com o desperdício da cultura de redação. Alguns de meus melhores dias no Times foram quando os repórteres de toda a redação se juntava, excitados, quando o jornal estava a ponto de soltar uma grande matéria. Isso aconteceu muitas vezes, mas um exemplo particularmente inolvidável foi quando o Times publicou em seu website o furo do prêmio Pulitzer sobre o ex-governador Eliot Spitzer, que estava sendo investigado num caso de garotas de programa. Em poucos minutos, nossa homepage estava na CNN. Meus colegas de redação ficaram orgulhosos de trabalhar no Times. O que agora me preocupa é que cada matéria e cada repórter se tornaram sua própria parte atômica, publicados em vários lugares, encontráveis pela maioria dos leitores em grandes redes de mídia social. Que impacto terá isso na cultura de redação, que é um ingrediente essencial daquilo que torna o jornalismo de responsabilidade do New York Times numa classe por si só? Irá alguém notar que o Buzzfeed passou meses investigando o sistema penitenciário do Texas e os réus indigentes se a matéria for consumida, em sua maior parte, pelas redes sociais? E o que irá acontecer com a saudável competição entre as organizações de mídia quando seu jornalismo for publicado como um resumo distribuído de seus grandes sucessos? Irão os leitores perceber de onde vêm as matérias?

Uma outra preocupação é que as plataformas, aparentemente, querem continuar sendo plataformas. Mas não deveriam elas ser responsáveis pela adesão e defesa dos princípios da Primeira Emenda e de outros valores básicos que são fundamentais para um jornalismo de qualidade? As plataformas das redes sociais contam com o apoio de figurões em Washington. Irão elas deixar exclusivamente por conta dos publishers as batalhas por questões cruciais, como a proteção de repórteres de citações judiciais? O DNA das empresas de tecnologia e dos publishers é diferente, porém se se tratar de parcerias concretas e duradouras num mundo de conteúdo distribuído, ambas têm participação no que uma imprensa livre pode publicar.

E quanto à política, não é uma coincidência que tantas empresas de tecnologia tenham ex-porta-vozes políticos (pistoleiros) em suas folhas de pagamento. A resposta dada por Jay Carney no site Medium.com foi um exemplo de política, assim como de crítica da mídia. É lugar-comum tentar contestar a legitimidade de um opositor político, ao invés de fazer críticas sutis. Foi esse o marco de referência de seu ataque ao Times em relação à matéria sobre a Amazon.

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A íntegra do debate pode ser acessada no site Medium.