Sunday, 12 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Folha de S. Paulo


CAMPANHA
Agência Folha


Ministros vão à TV pedir votos para base aliada


‘Com o objetivo de colar suas imagens à do governo Lula, que apresenta uma popularidade recorde, candidatos a prefeito de partidos da base aliada têm atraído diversos ministros para o horário eleitoral na TV. Em quatro capitais, por exemplo, 14 deles já foram vistos.


Em Belo Horizonte (MG), Leonardo Quintão (PMDB) tem, como garotos-propaganda, Hélio Costa (Comunicações) e José Gomes Temporão (Saúde). Jô Moraes (PC do B) tem apoio de Orlando Silva (Esporte), e Sérgio Miranda (PDT) exibe Carlos Lupi (Trabalho).


Situação semelhante ocorre em Fortaleza (CE). No programa de Luizianne Lins (PT), ela é elogiada principalmente por Temporão, além de Tarso Genro (Justiça), Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) e Nilcéia Freire (Políticas para Mulheres). No caso de Patrícia Saboya (PDT), é Lupi quem discursa na TV.


Para o cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas, o poder dos ministros para atrair votos dependerá muito da influência deles nos municípios. Ele diz ser natural que os candidatos queiram, ao usar os ministros, se apoiar de algum modo em Lula.


‘Não são só os candidatos da base que querem isso mas os da oposição também. Beto Richa [PSDB], que dificilmente perde em Curitiba, é só elogios ao presidente. Isso porque ninguém quer enfrentá-lo. Mesmo em São Paulo, Kassab [DEM] e Alckmin [PSDB] sempre dizem que vão ter uma boa relação com o governo federal.’


Exemplo disso é que até o candidato do DEM em Fortaleza, Moroni Torgan, tem usado um ministro de Lula, Márcio Fortes (Cidades), em seu programa eleitoral.


A disputa por ministros ocorre também em Salvador (BA). Candidato à reeleição, João Henrique (PMDB) tem o apoio de seis ministros, entre os quais Edison Lobão (Minas e Energia), José Múcio (Relações Institucionais) e o ‘padrinho’ Geddel Vieira Lima (Integração Nacional). No programa de Walter Pinheiro (PT), aparecem Tarso e Patrus.


Em Porto Alegre (RS), a aparição dos ministros ocorre nas ruas. Maria do Rosário (PT) já teve Nilcéia, Tarso, Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), Fernando Haddad (Educação) e Dilma Rousseff (Casa Civil) em atos de campanha.


Manuela D’Ávila (PC do B) contou com Orlando Silva em evento de sua candidatura, e o prefeito e candidato à reeleição, José Fogaça (PMDB), teve a presença de Lupi em um de seus comícios. (THIAGO REIS, PAULO PEIXOTO,KAMILA FERNANDES, LUIZ FRANCISCO e GRACILIANO ROCHA)’


 


 


TELEVISÃO
Daniel Castro


Novela das seis da Globo terá ‘Sex and The City’ suburbano


‘Próxima novela das seis da Globo, ‘Negócio da China’ fará uma paródia de ‘Sex and The City’. Na trama de Miguel Falabella, o quarteto de mulheres consumistas novaiorquinas dará lugar a um trio igualmente consumista, porém pobre, da periferia do Rio de Janeiro.


O ‘Sex and The City Suburbano’, apelido dado pelo próprio Falabella, que não esconde a inspiração no badalado seriado da HBO, será formado por Josie Antello (Lausanne), Débora Olivieri (Aldira) e Maria Gladys (Lucivone).


‘Elas gostam de coisas com monogramas e têm seu próprio mundo fashion, com grifes e estilistas próprios. O ícone delas é o estilista Toninho de Iguaçu, cujos produtos trazem monograma estampado. Estão, é claro, atrás de homem. Mas, devido à falta de opção e à carência do gênero, segundo Lucivone, tendo dente e emprego já ‘tá’ bom’, resume Falabella.


Josie será atendente de uma academia de kung fu, um dos principais cenários da história. Débora e Maria Gladys trabalharão como vendedoras de um armarinho.


Diferentemente do quarteto americano, o trio suburbano carioca revelará um gosto duvidoso na hora de escolher roupas e acessórios, comprando peças extravagantes. Mas elas acreditam que ‘abafam’.


Aldira revelará um humor cortante, falando sempre o que pensa. Suas prioridades são arrumar namorado e freqüentar camelôs atrás de peças ‘chiquérrimas’. Lucivone, também conhecida como Rainha, sonha com um príncipe encantado, mas só entra em roubada. Lausanne é a mais exagerada. Suas roupas, compradas no crediário, misturam cores fortes.


AGILIDADE NEGRA


Desde a semana passada, Adriana Couto, 34, divide a bancada do ‘Jornal da Cultura’ com o ‘professor’ Heródoto Barbeiro e com Michelle Dufour. Sua chegada trouxe maior agilidade ao telejornal. Embora tenha apresentado boletins do reality ‘Fama’ (Globo), sua trajetória profissional está quase toda ligada às áreas de educação e sustentabilidade. ‘É como praticar um ativismo’, diz. ‘Ainda sofro preconceito na profissão. Muita gente questiona quando sou promovida. Falam que é porque sou negra’, desabafa.


COISA DE MULHER


Será uma mulher a substituta de Renato Machado no ‘Menu Confiança’, do GNT. O jornalista deixou o programa em julho, após se desentender com o chef Claude Troisgros. O GNT decidiu na última quinta, depois de testes, escolher a sommelier Deise Novakosky, uma das poucas mulheres em sua profissão no Brasil. Ela disputou a vaga com Ed Motta. O ‘Menu Confiança’ está de férias. Volta ao ar no verão de 2009. No programa, apresentam-se um prato e os vinhos que harmonizam com ele.


PRÊMIO


William Bonner ficará fora da bancada do ‘Jornal Nacional’ no início desta semana. Amanhã, ele estará em Nova York, acompanhando a entrega do Emmy Internacional de jornalismo. O ‘JN’ concorre pelo segundo ano consecutivo.


REJEIÇÃO


O Ministério da Justiça discordou da classificação indicativa dada pela própria Record à novela ‘Chamas da Vida’ (10 anos). O órgão reclassificou a trama como inadequada para menores de 12 anos (20h), por mostrar consumo de drogas.


PERGUNTA INDISCRETA


FOLHA – O que você está achando de perder no Ibope para uma baixinha de apenas seis anos, a Maísa, do SBT?


XUXA MENEGHEL (apresentadora do ‘TV Xuxa’, da Globo, que tem ficado em segundo lugar na Grande São Paulo na disputa com o ‘Sábado Animado’, via assessoria) -Não falamos de Ibope. Por favor, entre em contato com a CGCom [Central Globo de Comunicação].’


 


 


Folha de S. Paulo


Recordista do Emmy estréia em outubro


‘A recordista de indicações ao 60º Emmy Awards, que acontece hoje nos EUA, chega ao Brasil daqui a um mês. A minissérie histórica ‘John Adams’, sobre o presidente dos EUA entre 1797 e 1801, é candidata ao prêmio em 23 categorias e estréia por aqui no dia 21 de outubro, no canal pago HBO. Não sem atraso: a minissérie, protagonizada por Paul Giamatti (‘Sideways’ e ‘O Ilusionista’), foi exibida nos EUA entre março e abril deste ano. Das 23 nomeações, oito prêmios já estão garantidos: no último dia 13, o Emmy fez uma cerimônia de troféus ‘menores’ (técnicos ou para atores convidados), entre eles maquiagem e efeitos especiais de filme, minissérie ou especial -esses dois estão entre os que ‘John Adams’ já levou. Hoje, serão entregues apenas os prêmios das categorias mais importantes e populares, como melhor série dramática e de comédia, atriz ou ator.


Vice-liderança


A vice-campeã de indicações ao Emmy Awards deste ano é ‘30 Rock’ (exibida pelo canal Sony), com 17, seguida por ‘Mad Men’ (HBO), com 16, e ‘Pushing Daisies’ (Warner Channel), com 12. Séries que já foram mais populares, como ‘Lost’ (sete indicações), ‘Ugly Betty’ (seis), ‘Grey’s Anatomy’ (cinco) e ‘Desperate Housewives’ (quatro), neste ano viram sua importância no Oscar da TV americana cair. Com exceção de ‘Lost’, que ainda concorre a melhor série (dramática), as outras estão excluídas desta categoria. ‘Lost’ divide suas chances com os dramas ‘Boston Legal’, ‘Damages’, ‘Dexter’, ‘House’ e ‘Mad Men’. Entre as séries de comédia, concorrem ‘Curb Your Enthusiasm’, ‘Entourage’, ‘The Office’, ‘30 Rock’ e ‘Two and a Half Men’. Entre as 51 nomeações de séries de drama e comédia e seus atores principais e coadjuvantes, 21 indicados não foram contemplados no ano passado -os estreantes no prêmio incluem ‘Mad Men’, ‘Dexter’ e ‘Damages’ na categoria drama; entre as atrizes, Amy Poehler (‘Saturday Night Live’) e Anjelica Huston (‘Medium’).


Apresentadores de reality


No total, o Emmy contabiliza 476 indicados em 93 categorias e áreas diferentes, que incluem troféus como melhor cabelo, coreografia e, pela primeira vez, melhor apresentador de reality show. Para exaltar a novidade, o Emmy convidou os cinco indicados nesta categoria -como Heidi Klum (‘Project Runway’) e Ryan Seacrest (‘American Idol’)- para dividirem a apresentação da cerimônia.


60º EMMY AWARDS


Quando: hoje, às 20h; reprise, com legendas, no próximo domingo (28/9), às 20h


Onde: no canal Sony


Classificação indicativa: não informada’


 


 


Bia Abramo


A insistência no realismo


‘A NOVA NOVELA das sete, ‘Três Irmãs’, parece ter roubado dos cenários espetaculares de seus primeiros capítulos um pouco da luz do sol e da transparência do mar. Se continuar no mesmo passo da semana de estréia, pode recuperar uma certa leveza que anda ausente ou travestida em escracho.


Juventude e surfe são temas recorrentes de Antonio Calmon, que fez os clássicos ‘Menino do Rio’ (1982) e ‘Garota Dourada’ (1984) no cinema e, na TV, foi roteirista de algumas das melhores produções juvenis para a Globo, como a série ‘Armação Ilimitada’ e as novelas ‘Top Model’ (1989/1990, como colaborador de Walter Negrão) e ‘Vamp’ (1991/1992).


‘Três Irmãs’ combina alguns elementos de suas predecessoras com tramas amorosas que podem se esperar de um elenco jovem e bonito. Há um certo clima fantástico nos personagens de José Wilker, o pai morto das três irmãs do título, que passa a se comunicar com a ex-mulher como um fantasma, e de Regina Duarte, uma visitante misteriosa que chega à cidade fictícia de Caramirim vestida como uma Minnie gigante e falando com sotaque de Porcina (sotaque, aliás, que só se manifestou ali pela quinta cena em que a personagem aparece…).


Há também uma aposta naquilo que parece algo que arrisco a chamar de ‘realismo inverossímil’. É como se aquele realismo dos anos 70/80 das telenovelas tivesse de se manter a qualquer custo (Como forma de angariar prestígio para a novela? Por falta de coisa melhor?), mas que, ao mesmo tempo, recusa qualquer verossimilhança incômoda.


Explicando melhor, em ‘Três Irmãs’ haverá um embate em torno da preservação de uma praia paradisíaca e de sua exploração turística globalizada. Mas, ao mesmo tempo, a Globo não parece querer mais se arriscar a fazer novelas que tenham de dispensar as fórmulas acertadas. Assim, o cenário da cidadezinha parece o pátio de um ‘mall’ qualquer da Barra da Tijuca e nada com qualquer cidade litorânea do Brasil.


O mesmo pode ser dito dos personagens, quase todos tipos que poderiam, a rigor, estar em qualquer novela urbana. Aqui e ali, faz-se uma caracterização superficial nas roupas, mas, de resto, nenhum esforço.


Em relação aos personagens, o elenco simpático e com boas surpresas -Paulinho Vilhena, Cláudia Abreu de perua do bem, o trio de vigaristas Luis Gustavo, Graziella Moretto e Otávio Augusto, Vera Holtz como vilã- pode, eventualmente, emprestar graça aos tipos batidos. A tarefa mais espinhosa, entretanto, será a de se esquivar das armadilhas desse realismo de meia-tigela.’


 


 


CINEMA
Pedro Dias Leite


vida cigana


‘‘Tem a maior fila lá fora!’, diz o ator Luís Miranda para um incrédulo Sidney Magal, no camarim de uma boate numa área pobre do sul de Londres. ‘Ah é? Eu achei difícil que viesse gente’, responde o cantor, ao lado de dois dos três filhos. Na pequena sala, também está a atriz Vanessa Giácomo, com o filho de sete meses no colo. Em poucas horas, Magal vai subir ao palco, cercado por quatro mulheres de tops decotados e shortinhos apertados com estampa da bandeira do Brasil, para fazer um show de uma música só (mas tocada quatro vezes). ‘Eu trouxe até uma calcinha para tacar no palco. Sem o Henrique saber. E não é minha não, pelo amor de deus!’, diz Vanessa.


O inusitado encontro tem um motivo: a gravação de uma cena para o filme sobre a vida do eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia britânica em julho de 2005, confundido com um terrorista numa estação de metrô em Londres. Miranda faz o papel de Alex, um dos primos de Jean. Vanessa interpreta Vivian, outra prima do brasileiro. Henrique é Henrique Goldman, diretor e um dos roteiristas do filme. E Magal, apesar de ser Magal mesmo, está no lugar de Zeca Pagodinho.


Algumas semanas antes ficar tristemente famoso, Jean Charles viveu seu dia de herói em Londres. Zeca Pagodinho estava na cidade para um show e decidiu ir ao Feijão do Luís, um restaurante popular (e obviamente de feijoada) na Oxford street. Só que uma falha no bufê que mantém a feijoada aquecida quase atrapalhou os planos do cantor. Jean Charles, desempregado e triste, estava por lá. Consertou o problema e ‘salvou o dia’. Para fazer o filme, a negociação com Pagodinho não avançou, e surgiu a idéia do show. Em vez de salvar a feijoada de Zeca Pagodinho, Jean Charles salva a apresentação de Sidney Magal. ‘Mantivemos o espírito do que aconteceu, o Jean Charles salvando a festa de um ídolo brasileiro’, explica o roteirista Marcelo Starobinas.


O filme parte da história de Jean Charles (vivido por Selton Mello) para contar a vida dos milhares de brasileiros que moram no Reino Unido, seu cotidiano, suas dificuldades, suas barreiras e suas pequenas alegrias. Boa parte da ação gira em torno da chegada a Londres de uma das primas de Jean, Vivian, que mudou para a cidade poucos meses antes de sua morte. ‘É uma menininha inocente, jovem e insegura que se transforma numa mulher decidida. Uma caipirinha que vira uma power girl’, explica o diretor. ‘O Brasil não conhece o Brasil do exterior muito bem. Quanto mais fora do Brasil, mais brasileiras as pessoas ficam’, conta Goldman, fora do país há mais de duas décadas.


Um cara como a gente


A histórica começa com a chegada de Vivian a Londres e segue até algum tempo depois da morte de Jean. Vanessa, que interpreta a prima, chegou a dormir na casa dela em Gonzaga (MG) e conheceu os pais de Jean. ‘É a história de um cara como a gente, que gostava de sair, mas que também era super família’, diz Starobinas (que trabalhou na Folha e na BBC). ‘Muita gente vai se surpreender com quão engraçada e divertida é a história antes de ficar trágica’, afirma.


A idéia do filme surgiu em 2006, mas levou dois anos para que o projeto conseguisse sair do papel. Com os títulos provisórios de ‘Brazuca’ ou ‘Leave to Remain’ (permissão para ficar), deve ser lançado em meados de 2009. O filme tem produção-executiva de Stephen Frears e Rebecca O’Brien (sócia de Ken Loach), e é produzido pela Mango Filmes, de Goldman, e pela Já Filmes, de Carlos Nader. O orçamento gira em torno de R$ 8 milhões, captados meio a meio no Brasil e no Reino Unido, onde teve apoio do UK Film Council, órgão governamental, mas independente.


Alguns dos protagonistas da vida real fazem o papel deles mesmos no filme, como outra prima de Jean Charles, Patrícia, e como Maurício Varlotta, chefe do brasileiro por cinco anos. ‘Ele trabalhou comigo até acontecer essa desgraça’, conta ele, antes de se dizer ‘um grande fã’ de Magal.


Algumas horas mais tarde, ele é mais um nas dezenas de brasileiros que se aglomeram perto do palco ouvindo as ordens do diretor (as meninas que subiram no palco têm de subir de novo desta vez, mas na mesma ordem!) e Magal cantar: ‘Ah, eu te amo, ah, eu te amo meu amor! O meu sangue ferve por você!’. A calcinha, branca de bolinhas pretas, voou pro palco.’


 


 


***


Filme será crítico, mas não político, diz diretor


‘O filme sobre a vida e a morte de Jean Charles de Menezes será crítico com a polícia londrina, mas não será ‘político’. Baseados em Londres há anos, os dois roteiristas, Henrique Goldman (que também é o diretor) e Marcelo Starobinas, fazem a mesma comparação: em relação à polícia brasileira, a britânica ainda é exemplar.


‘É a história da morte de um emigrante, triste, mas é um filme ‘life-affirming’, pra cima. Não é um filme político. A polícia fez uma cagada, fez merda e tal. Mas, se fôssemos fazer um filme político, teríamos de olhar antes para a nossa própria polícia, que é muito pior’, diz Goldman. ‘A esperança nossa é fazer uma coisa que toque as pessoas. A idéia é fazer um filme popular’, completa.


O foco na questão policial, afirma Starobinas, será muito mais na atuação da polícia nos momentos que se seguiram à morte. ‘A polícia daqui não é truculenta que nem a polícia no Brasil. É uma outra polícia. Quando a gente compara com esses caras do Brasil, eles aqui são umas moças. Mais do que a morte do Jean Charles, a gente vai criticar o cover-up [o acobertamento que se seguiu a ela]’, diz ele.


A polícia londrina levantou uma série de suspeitas sobre Jean Charles e escondeu o erro crasso mesmo quando já sabia que havia matado um inocente. Ele foi confundido com um dos terroristas que no dia anterior tinha lançado um ataque suicida fracassado em Londres.


Duas semanas antes, quatro atentados simultâneos haviam deixado 52 mortos em três pontos do metrô e em um ônibus. ‘O erro da morte é horrível, um absurdo. Mas não pode tirar do contexto, naquele dia havia quatro homens-bomba soltos. Eles estavam em uma situação crítica.’


Nenhum dos policiais envolvidos foi julgado, mas a polícia teve de pagar ao governo uma multa de 175 mil libras (em torno de R$ 525 mil) por colocar a vida da população em risco (veja o desenrolar do caso no quadro ao lado).


Londres e Paulínia


A cena da morte foi gravada numa parte abandonada da estação do metrô de Charing Cross, comumente cedida para as autoridades britânicas para a filmagem de cenas em que o metrô londrino é retratado.


Ao todo, foram cinco semanas de filmagens no Reino Unido -ainda será feita mais uma semana no Brasil, em Paulínia (SP), que vai servir de cenário para Gonzaga (MG), cidade natal de Jean Charles.


Até agora não houve nenhum problema com o governo ou a polícia, mas o histórico turbulento do filme levou a produção a adotar cautela. Em 2006, a rede estatal britânica BBC cancelou a produção do longa. Na época, Goldman disse que o problema aconteceu porque ele queria fazer um filme sob o ponto de vista brasileiro, e eles, com a visão inglesa.


‘Eles queriam focar nas mazelas policiais, e eu estava interessado no aspecto brasileiro do caso’, afirmou, então. ‘Não houve censura.’


No mês passado, estreou em Londres um filme baseado no assassinato de Jean Charles, com foco na atuação da polícia, chamado ‘Shoot on Sight’ (algo como ‘atire no ato’). Mas, em um movimento simplista, a vítima inocente é um muçulmano, do sul da Ásia. ‘É um crime ser muçulmano?’, questiona a voz no trailer do filme.’


 


 


***


Selton Mello ouviu conselhos de Santoro para gravar no exterior


‘Enquanto Sidney Magal canta no palco do Clapham Grand, o teatro antigo transformado em boate onde é gravada uma cena do filme sobre a vida de Jean Charles, Selton Mello é mais um no meio de muitos. No primeiro trabalho do ator fora do Brasil, ele pegou dicas com o amigo Rodrigo Santoro e diz que não tem ‘a pretensão’ de imitar Jean Charles. ‘Foi pegar o que eu ouvi, botar no liquidificador e fazer o meu Jean Charles. Eu não conheci ele’, explica, comparando com o João Estrella de ‘Meu Nome Não É Johnny’, que ‘estava o tempo todo no set’. Leia a seguir a entrevista, feita no set de filmagem.


FOLHA – Qual a sua visão do filme?


SELTON MELLO – A idéia é mostrar um cara que morreu erradamente, não era para ser ele. Quem era esse cara? É isso o que interessa. Quem era esse cara, o que ele fazia, de onde ele veio, como é que ele era, entendeu? Esse que é o barato. O barato do filme inteiro é ele, trabalhando, a relação com a família, ralando, morando seis na mesma casa.


FOLHA – Como tem sido a recepção dessa comunidade de brasileiros aqui em Londres?


MELLO – As histórias se repetem, de brasileiros que vão para o exterior, na esperança de um mundo melhor. Deu para entender algumas coisas. Tem alguns brasileiros que moram em Londres e não falam inglês, porque tem tanto brasileiro que eles só falam português entre eles. Outra coisa, os caras trabalham muito, então não têm tempo pra nada. Trabalham, trabalham, pra mandar dinheiro para o Brasil.


FOLHA – Como é interpretar o Jean Charles?


MELLO – Estou aqui fazendo minha percepção de um cara que existiu, depois de ter feito ‘Meu Nome Não É Johnny’, que também foi um cara que existiu. A diferença é que o João Estrella estava lá vivo, então ele ia ao set. Aqui eu ouvi muito sobre esse cara. Também falei muito com a família. Muitas vezes os familiares olham e falam: ‘Ele não falava assim’. Eu falo: ‘Desculpe, não conheci ele, eu não vou imitar ele nem a pau. Eu faço o que eu acho que é’.


FOLHA – E qual a diferença desse trabalho para os seus anteriores?


MELLO – É meu primeiro trabalho fora, esse para mim é o grande diferencial. A equipe é toda inglesa, tudo em inglês. Está sendo uma experiência muito rica. É tudo igual, o assistente de direção, o continuísta, mas é em inglês. O [Rodrigo] Santoro estava aqui, a gente é muito amigo, ele fala muito disso, de vida fora e tal. E eu tenho vontade também. Ele tem feito bastante, pra mim é o primeiro. Deu vários conselhos. Uma experiência muito boa.’


 


 


Marcos Augusto Gonçalves


A ficção da realidade


‘Quando a pobre paraplégica preparava-se para ser imersa nas águas, durante a cerimônia de batismo promovida pelos evangélicos de ‘Linha de Passe’, não consegui deixar de pensar na possibilidade de a coitada engasgar e morrer afogada.


Afinal, num filme em que pouca coisa acontecia -e o que acontecia dava errado-, a morte da irmã talvez fosse uma opção radical, tragicômica, capaz de me retirar do enfado com que acompanhava aquele compenetrado desfile de lugares-comuns sobre a pobreza urbana numa cinzenta São Paulo de documentário.


Mas, claro que não. Daniela Thomas e Walter Salles não demorariam tanto para dar uma guinada dessas, à Monty Python, num filme tão sério e empenhado.


‘Linha de Passe’ é uma obra que repisa muitos aspectos da dramaturgia de esquerda dos anos 50/60 -mas, em sintonia com os tempos atuais, é melhor na técnica narrativa e, claro, não ‘aponta para a revolução’.


Atrasado


A semelhança com a linhagem do Centro Popular de Cultura, do Arena, do ‘Eles Não Usam Black-Tie’ foi, aliás, ressaltada por Cacá Diegues, ao escrever na Ilustrada de domingo passado que a história da mãe e seus quatro filhos é ‘semelhante a tantas outras de nossa tradição cultural politicamente engajada’.


Talvez por ter sido um dos mais afiados formadores dessa tradição, Cacá diz ter experimentado algo de ‘sublime’ em ‘Linha de Passe’, uma obra que nos colocaria diante da ‘grandeza do cinema’.


A meu ver, em que pesem as boas cenas de futebol e de rua, a engenhosa costura da narrativa e o ótimo Kaíque dos Santos, não é apenas grandeza cinematográfica que falta ao filme. Como ensaio sociológico, também não vai muito longe.


Posso estar totalmente enganado, mas acho difícil que estejamos diante de uma obra, como declarou o diretor à Folha, capaz de, ‘20 anos depois’, nos dizer de ‘onde viemos, quem somos e para onde estamos indo’. ‘Terra Estrangeira’ atingiu essa dimensão, mas ‘Linha de Passe’ parece ter chegado atrasado no ‘momentum’ do Brasil de Lula e do pré-pré-Sal.


Sem dúvida, ‘Cidade de Deus’ é o filme que, nesta década, melhor terá cumprido o papel de fixar um ponto de referência na linha do tempo da memória nacional (e, por favor, basta com essa conversa de ‘cosmética da fome’).


Ilusão documental


Como qualquer outro, também o filme de Daniela e Waltinho ‘estetiza’ seu objeto. No caso, uma estetização na qual a parafernália cinematográfica é mobilizada para se ocultar, criando uma ilusão documental de neutralidade, uma aparência despojada, que nos mostraria ‘a vida como ela é’. Mais do que isso, o tratamento ascético envolve a família da periferia num véu de respeito e pudor puritanos, que nos dissuade de formar um juízo crítico sobre seus integrantes.


Diferentemente dos representantes da elite, malvados, drogados ou pusilânimes, os pobres são sempre vítimas, e devemos desculpá-los, mesmo que se comportem de maneira irritante, como a pateta mãe corintiana, já crescida e experiente o bastante para arrumar e manter uma gravidez àquela altura do campeonato (sem trocadilho).


A estratégia estética e mercadológica de ‘Linha de Passe’ se presta justamente a análises do tipo ‘tem o mérito de confrontar o espectador da elite com uma realidade que ele desconhece ou não quer ver’.


Francamente: moro em São Paulo há 24 anos e não creio que precise ir ao shopping, comprar um saco de pipoca e entrar num cinema para ter uma revelação sobre a pobreza que testemunho diariamente.


Mas não tenho dúvida de que esse é o tipo do filme capaz de despertar a solidariedade de platéias politicamente corretas daqui e, em especial, da Europa. Gente que aceitará voluntariamente o contrato da narrativa que retrataria a ‘verdadeira’ vida nessa nossa metrópole do Terceiro Mundo, já transformada em clichê cult em círculos gringos.


De prático, o filme fez-me (eu, que nunca fui assaltado em São Paulo) prestar atenção na minha mochila. Apesar dos alertas, ainda costumava deixá-la sobre o banco ao lado.’


 


 


Jorge Coli


Bem bom


‘Inácio Araujo, com seu sentido certeiro das formulações, escreveu outro dia em uma de suas críticas na Ilustrada: ‘Mas, ainda assim, não mais que um ‘filme de arte’.


É uma frase que abala convenções. Se fosse ‘não mais que um blockbuster’ ou ‘não mais que um filme de shopping’, tudo pareceria coerente. Do jeito que ficou, tem o aspecto de uma contradição: a noção ‘filme de arte’, em princípio, elevada, foi percebida como pejorativa.


É que o chamado filme de arte deixou de ser o campo da invenção e da ousadia, como era percebido até algumas décadas atrás. Existe agora uma concepção preestabelecida que enquadra ‘filme de arte’, com algumas receitas mais ou menos explícitas.


Passou a existir o academismo do ‘filme de arte’. Ele cumpre parâmetros e se submete a convenções implícitas, que restringem o espírito criador em benefício de um trabalhinho bem feito.


A razão principal não é cinematográfica.


Ela formou-se a partir de um pacto entre público e diretores culturalmente sofisticados, pacto que se estabelece por meio de sinais exteriores de reconhecimento, espécie de feromônios sem cheiro. Tudo isso substitui a criação cinematográfica mais autêntica.


Os filmes resultam cheios de bons sentimentos, os temas são definidos de antemão como profundos; têm boa iluminação, boa filmagem, boa montagem. Os espectadores se encantam com algumas metáforas fáceis ou alusões que se querem densas.


No fim, sai do cinema levemente entediado, mas com a satisfação de um dever cultural cumprido. Tudo isso é bastante simbólico e meio cerimonial.


Cismas


Cinema é uma arte, e a noção ‘cinema de arte’ não é um título de nobreza, mas um pleonasmo. Ninguém consegue dizer de onde vai brotar a criação artística.


Clint Eastwood, que nasceu de um cruzamento entre filmes baratos de Hollywood e o western spaghetti, tornou-se um artista maior na história do cinema. As seqüências dos ‘Alien’, dos ‘Batman’, para além da discussão sobre cada filme, formam magníficas sagas. É bobagem multiplicar os exemplos: um filme não é bom apenas porque é ‘de arte’ ou ruim porque blockbuster.


Inferno


A sensação de tédio, nada boa em princípio, pode, curiosamente, ter um papel valorizador no campo da arte. É um fenômeno perverso. Espera-se das obras que elas ofereçam prazeres superiores, mas não muito bem definidos, que elas tragam revelações preciosas, que agucem a sensibilidade.


Em nome deles, suporta-se estoicamente o tédio, imaginando-se que, de algum modo, a recompensa virá mais tarde. Muita gente faz uma distinção nítida entre arte e divertimento, como se divertir com arte fosse quase um pecado.


Existe, por sinal, uma história filosófica desse pecado, que Hans Robert Jauss retraçou em sua ‘Pequena Apologia da Experiência Estética’.


Delícia


A cultura norte-americana, com sua forte pregnância classificatória, insiste muito na separação entre ‘art’ e ‘entertainment’. Simplificando: se é arte, é chato, se é gostoso, não é arte. Esse jogo preconceituoso é péssimo: ele faz engolir gato por lebre e recusar lebre por gato. Há certas obras que são apaixonantes, mas consideradas difíceis.


É que o espectador não encontrou as boas chaves para elas. Procurá-las é um desafio: dificuldade não quer dizer tédio, mas estímulo. As artes foram feitas para oferecer prazeres dos tipos e gêneros diversos. Se eu me aborreço, é que alguma coisa está errada.’


 


 


FUTURO
Gilson Schwartz


O globo Sonyntendo


‘Logo depois que o Fed quebrou e o Banco Central da China declarou-se insolvente com a maior carteira mundial de títulos do falido Tesouro norte-americano, poucos anos depois da estatização de Wall Street, os últimos bancos japoneses uniram-se num abraço desesperado aos gigantes Sony e Nintendo.


Surgiu assim um império de finanças, linhas de produção e entretenimento digitais.


A fusão entre o mundo dos games e os impérios da manufatura assistida por computador (CAD-CAM), do cinema, da música e da TV determinou um domínio global das gigantes japonesas, enquanto Hollywood desaparecia sob dívidas impagáveis, Wall Street lambia as feridas da riqueza perdida também em Los Angeles, San Francisco e no Texas.


Com a derrocada final do comunismo e do capitalismo, encerrou-se definitivamente no início do século 21 a era das ideologias. Mas no lugar dos farrapos utópicos dos séculos 19 e 20, as redes digitais globalizadas criaram um capitalismo a serviço das iconologias.


A configuração de redes de produção e gestão telemáticas permitiu a operação de fábricas inteiras no Vietnã e na Malásia e de centros financeiros e de distribuição em Cingapura a partir de telas de videogame em Akihabara, Hokkaido e Okinawa [arquipélago no sul do país]. Jovens tailandeses passaram a atuar na manutenção de tornos digitais comandados por softwares on-line em tempo real, robôs manipulados por jovens em plantas industriais em 3D em Chiba, na área do porto próxima a Tóquio.


Vidas on-line


A transformação da rede asiática de produção num videogame amarrou numa única matriz as sucessivas ondas de investimento pesado no Japão, na Coréia do Sul, nos ‘tigres’ do Sudeste e na costa chinesa.


Camadas sobrepostas de finanças, mídia e entretenimento rodam sobre infra-estruturas de telecomunicação digital e miniaturização de componentes transportados nas roupas e nos corpos de bilhões de indivíduos, que passaram a viver on-line como habitantes virtuais de verdadeiras matrizes de serviços digitais.


A economia virtual dessas plataformas produtivas e de serviços digitais gerou seu próprio sistema de crédito interno, pois o colapso do dólar e o congelamento dos ativos em euros tornou o iene um lastro de respeito em todos os games e negócios do império Sonyntendo.


Como já ocorrera com máquinas e automóveis, os japoneses conseguiram incorporar antropofagicamente uma invenção americana e transformá-la numa versão aprimorada e com utilidade prática, integrada à estética iconográfica dos ideogramas e eminentemente visual: a internet.


Mais que globalizar de vez a internet, substituindo os EUA como território de maior importância na articulação de redes digitais globais, os grandes conglomerados financeiros e midiáticos japoneses substituíram a aliança entre Hollywood e Wall Street, que sustentara a iconologia do ‘american way of life’ entre os dois grandes ‘crashes’ (1929 e 2008).


‘Soft power’


Mas o mundo não parou para esperar uma nova reconstrução de Wall Street e da City, deslocando de vez o século 21 para a máquina produtiva digital japonesa e sua rede no Sudeste Asiático, pacientemente construída no último quartel do século 20, naquela onda de investimentos que ficou célebre como ‘milagre asiático’. Além disso, praticamente todos os acervos audiovisuais e territórios de lazer do Ocidente já haviam sido comprados pelos japoneses em 2035, atrás apenas dos espanhóis.


Em 2050, o Japão realizou o sonho de exercer um papel de influência global como um ‘soft power’, articulando digitalmente centenas de plantas produtivas em todo o Sudeste Asiático, na União Européia e nos EUA.


Lá os cidadãos trabalham em postos de segurança, manutenção e vendas para a mais complexa máquina produtiva virtual e global da história da humanidade, comandada e financiada pelas maiores empresas de videogame e entretenimento audiovisual do mundo.


GILSON SCHWARTZ é professor de iconomia da USP e criador do grupo de pesquisa ‘Cidade do Conhecimento’ ( www.cidade.usp.br ).’


 


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