Enfim, um racha na mídia. E que racha! Na capa do domingo (13/12), a Folha dá uma magnífica bordoada no deputado Eduardo Cunha. Há tempos não se publicava na imprensa algo tão incisivo e arrasador contra um político.
A inesperada fúria do jornal teve o dom de escancarar a complacência da oposição, do próprio PT e do resto da mídia com os expedientes espúrios do deputado fluminense ao longo dos últimos dez meses. Impossível ignorar o questionamento do leitor minimamente informado ao completar a leitura daquelas 32 linhas impregnadas da mais santa ira: então como se explica que somente agora tão graves acusações tenham sido proferidas com tanta clareza e audácia?
O jornalão esmerou-se nas denúncias, foi fundo na qualificação do presidente da Câmara — achacador, conspurcador, descarado, prepotente, infame, farsante. Porém, mais importante foi a constatação de que o protagonismo do deputado fluminense na condução do impeachment da presidente Dilma Rousseff compromete a limpidez e credibilidade do processo. Em outras palavras: convém segurar a compulsão para apostar todas as fichas no vice Michel Temer.
No fatídico 13 de dezembro, quando o país se preparava para entoar novo “Fora Dilma” sob a batuta da grande mídia, um dos seus mais importantes e vociferantes veículos coloca em dúvida a legitimidade e honradez do processo. Dias antes, coroando uma vexaminosa temporada de vacilações, o PSDB – principal partido da oposição e habitual balizador da mídia – decidiu envergar seu antigo uniforme de combate e apoiar o impeachment abertamente. Segundo a Folha, com Cunha na presidência da Câmara o “Fora Dilma” perde sua validade. Então, como é que fica o principal partido da oposição distanciado da sua tradicional base apoio?
A surpreendente virada da Folha fica ainda mais nítida quando confrontada com a opção flagrantemente anti-dilmista e anti-petista do restante da imprensa. No mesmo fim de semana, o semanário Época, do Grupo Globo, abriu o jogo em favor do vice Michel Temer, descarregando sua modesta artilharia contra Luiz Edson Fachin, ministro do STF que teve a coragem de enfrentar a truculência de Eduardo Cunha e colocar um freio no rolo compressor que ameaçava a autonomia da Comissão Especial da Câmara que julgará o impeachment da presidente.
Conseguirá Época sustentar sozinha o endosso a Eduardo Cunha contra o formidável poder de fogo da Folha, agora publicamente engajada na erradicação do aedes cunhensii ? Se o confronto prosseguir como ficará a parceria dos dois grupos no projeto do Valor Econômico?
O pérfido Eduardo Cunha aparentemente operou um milagre – está ameaçando a sólida convergência do nosso sistema midiático. Os bandidos perfeitos têm esse dom.