Quinta-feira, 17 de julho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1346

A viagem de Lula a Paris, o encontro bilateral com Macron e a influência brasileira no mundo

(Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Nos dias 8 e 9 de junho de 2025, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva visitou Paris e depois Nice, onde participou da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos. Lula conhece a França. Em 2002, às vésperas de assumir o cargo, ele deu seu apoio a Lionel Jospin, o candidato presidencial socialista, em um comício em Bordeaux [1]. Em janeiro de 2003, visitou o presidente eleito Jacques Chirac. Em junho do mesmo ano, participou da reunião do G8 em Evian e retornou a Paris em 2005. Em 2008, ele se encontrou com Nicolas Sarkozy na Guiana Francesa, seguido por duas visitas de trabalho em 2009 e uma visita de Estado. Dilma Rousseff, presidente de 2011 a 2016 e amiga política de Lula, foi à França duas vezes: para participar da cúpula do G20 em Cannes, em novembro de 2011, e para uma visita de trabalho em dezembro de 2012. Desde sua reeleição em 2022, a fim de renovar contatos bilaterais de longa data, Lula retornou a Paris em 23 e 24 de junho de 2023 para participar da conferência do Pacto Climático.

Entre 2016 e 2023, a França desapareceu do radar dos presidentes brasileiros Michel Temer e Jair Bolsonaro, os chefes de Estado que sucederam Lula e Dilma Rousseff, que cultivaram uma relação preferencial com Washington, visitada por Michel Temer três vezes e por Jair Bolsonaro sete vezes. Embora a França tenha recuperado um lugar na agenda brasileira após a reeleição de Lula em 2022, em termos de sua agenda internacional, ela não tem mais a centralidade que já teve. Em 2023, as primeiras viagens de Lula foram para seus vizinhos do Mercado Comum do Sul (Mercosul), Argentina e Uruguai, seguidas de uma viagem aos Estados Unidos e à China. Em 2025, Paris foi a décima segunda capital visitada por Lula – depois de Buenos Aires (Argentina), Montevidéu (Uruguai), Washington DC (Estados Unidos), Pequim (China) e vários parceiros de Brasília, Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), Lisboa (Portugal), Madri (Espanha), Londres (Reino Unido), Tóquio (Japão), Hanói (Vietnã), Roma (Itália) e Vaticano.

Lula 2023-2026: um tour mundial

Antes de parar nas margens do Sena, Lula já havia viajado bastante. Desde 1º de janeiro de 2025, ele visitou a capital do Uruguai (1º de março), para a posse do presidente Yamandu Orsi, depois, no final de março, Tóquio (Japão) e Hanói (Vietnã), para estabelecer contatos bilaterais, principalmente econômicos. Em 8 e 9 de abril, em Tegucigalpa, sede do governo hondurenho, ele participou da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), depois viajou ao Vaticano em 25 e 26 de abril para o funeral do Papa Francisco e, em 18 de maio, para a missa de entronização de Leão XIV. Em 9 de maio, em Moscou, ele participou das cerimônias de aniversário da vitória sobre a Alemanha nazista. Em 12 de maio, em Pequim, ele participou da cúpula China-CELAC.

Sua visita a Paris, em 8 de junho, fez parte de uma série contínua de reuniões diplomáticas. Como parte de seu terceiro mandato presidencial, ele fez 27 viagens internacionais em 2023 e 13 em 2024. Ele também organizou uma Cúpula Sul-Americana no Brasil em 30 de maio de 2023, uma Cúpula dos Países-membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) em Belém em 8 e 9 de agosto de 2023 e uma Cúpula do G20 em 18 e 19 de novembro de 2024 no Rio de Janeiro. Está se preparando para sediar uma cúpula do BRICS [2], também no Rio de Janeiro, em 6 e 7 de julho de 2025, e a conferência sobre mudanças climáticas COP30 em Belém, de 10 a 21 de novembro de 2025.

O presidente brasileiro também participou de várias reuniões internacionais, incluindo:

– A Assembleia Geral anual da ONU (2023 e 2024);

– As cúpulas do Mercosul (2023 e 2024), as cúpulas do BRICS (2023 e 2024), a cúpula do G77 em Havana (2023) e a cúpula da União Europeia-CELAC (2023);

– A Conferência dos Países de Língua Portuguesa (2023), a Cúpula Ibero-Americana (2023), a Cúpula da União Africana (2024), o Fórum Econômico Mundial em Davos (2023, 2024 e 2025), o Fórum da Coalizão Global para Justiça Social em Genebra (2024) e o Fórum China-CELAC (2025).

Os próximos eventos em sua agenda incluem a 15ª Cúpula dos Países de Língua Portuguesa (julho), a Assembleia Geral das Nações Unidas (setembro) e duas reuniões do Mercosul (julho e dezembro). Datas ainda não especificadas incluem uma cúpula do G20 na África do Sul, uma cúpula da Organização dos Estados Americanos (OEA) na República Dominicana e uma cúpula da OTCA.

Quais ambições e quais resultados?

Para situar Paris e França no contexto diplomático brasileiro, vale a pena esclarecer as ambições diplomáticas de Lula para seu terceiro mandato. O ativismo internacional de Lula – real ou aparentemente – fez com que certas figuras políticas brasileiras fossem nomeadas para altos cargos internacionais: Dilma Rousseff foi confirmada por cinco anos como chefe do Banco BRICS, Valdecy Urquiza foi nomeado secretário-geral da Interpol e a nomeação de um comissário brasileiro, Fabio de Sá e Silva, para a Comissão de Direitos Humanos deve ser oficializada em 25 e 27 de junho na Assembleia Geral da OEA. Essa é a consequência do ativismo demonstrado desde 1º de janeiro de 2023[3]? Após seis anos de recuo, isso sinaliza o retorno do Brasil ao cenário internacional?

Vale ressaltar que, por trás do viajante Lula, há uma equipe. Se o ambicioso dinamismo internacional de hoje retoma as linhas mestras da política internacional dos anos 2003 a 2016, é porque seus condutores, que dominam a narrativa, participaram de sua invenção e implementação durante os primeiros mandatos de Lula e de Dilma Rousseff. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ocupou esse cargo durante a presidência de Dilma Rousseff, enquanto o assessor especial do presidente, Celso Amorim, foi ministro das Relações Exteriores de Lula e ministro da Defesa de Dilma Rousseff. Desde então, ambos intensificaram o ritmo do multilateralismo. Nesse sentido, acompanharam o chefe de Estado aos quatro cantos do mundo e lançaram várias iniciativas. Em maio de 2024, junto com a China, o Brasil tentou construir um plano para acabar com a guerra russo-ucraniana. Em novembro de 2024, na Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, o Brasil anunciou a criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.

Em 2023, a distribuição das visitas, especialmente as primeiras – além de seu número e da ampla gama de parceiros – revela escolhas e mudanças diplomáticas que corrigem a impressão inicial. A lista, sua distribuição e seu significado diplomático levantam uma série de questões. Para o Brasil e seus parceiros de jogo, há um retorno sobre o investimento?

De 2003 a 2016, durante seus três mandatos sucessivos, Lula e Dilma Rousseff iniciaram a criação efetiva dos grupos IBAS (Índia-Brasil-África do Sul), G20 Organização Mundial do Comércio (OMC) e UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), as conferências América do Sul/África e América do Sul/Mundo Árabe, apoiaram a criação da CELAC e do G4 (Alemanha-Brasil-Índia-Japão), consolidaram o Mercosul e sediaram um Congresso da Internacional Socialista. Juntamente com Ancara (Turquia), Brasília propôs uma saída para a crise nuclear iraniana em 2010 e apresentou uma proposta à ONU em 2011. Em Brasília, entre 2010 e 2011, Lula convenceu quase todos os seus parceiros sul-americanos a reconhecer o Estado palestino.

Hoje não há nada disso. As iniciativas ambientais e sociais do Brasil estão lutando para sair do papel. O Mercosul está em declínio. As relações com a União Europeia (UE) estão vacilantes, devido à falta de dinamismo, por um lado, e à reticência, por outro. O peso relativo do Brasil no BRICS foi relativizado pela entrada no grupo de vários países africanos e asiáticos. O Brasil está fora de cena quando se trata de grandes crises internacionais, limitando-se a fazer sua voz ser ouvida. Entretanto, o software diplomático, com os mesmos líderes, retomou o meridiano de 2003-2010, que teve consequências concretas e, em alguns casos, duradouras.

O discurso do Brasil está defasado em relação ao contexto internacional?

O Brasil, observa Camila Asano, “talvez mais do que qualquer outra potência emergente, combina […] estabilidade e força econômica, o que lhe dá credibilidade no cenário internacional. Ele está muito bem posicionado para assumir o importante papel de desafiar o status quo” [4]. Mas, ela acrescenta, “ele pode promover mudanças?”[5]. O destino reservado à iniciativa em parceria com a Turquia, sobre a questão nuclear iraniana em 2010, já havia mostrado os limites da influência do Brasil. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança foram rápidos em apontar para o Brasil e a Turquia que sua iniciativa era incongruente.

O ambiente atual é mais fechado a propostas de potências emergentes do que era no passado. O Brasil ainda se manifesta sobre grandes conflitos – no Oriente Médio e na Europa Oriental – ou sobre os desafios ambientais impostos pelas mudanças climáticas, mas sua voz será menos ouvida em 2023 e 2025 do que em 2010 e 2011. Rubens Ricupero, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), faz a seguinte avaliação: o diagnóstico da situação internacional feito pelo presidente Lula na ONU em 24 de setembro de 2024 é “inatacável”. As crises internacionais que causam morte e destruição devem ser resolvidas por meio da lei e do diálogo. As Nações Unidas deveriam ser mais agressivas. Mas, como comenta o ex-ministro brasileiro, tudo isso pressupõe uma sólida cooperação internacional, que ainda não existe. Os “remédios” propostos por Lula são relevantes, mas dependem da boa vontade dos outros, que os recusam ou ignoram. Em especial, “as grandes potências que não querem mexer no status quo” [6]. A divisão do mundo “entre os Estados Unidos e a China […] em quase todas as questões é a marca registrada do mundo de hoje” [7]. No entanto, como em 2010, isso não impediu que a Turquia, cúmplice diplomática do Brasil na época, mantivesse um papel diplomático ativo no Oriente Médio, como vimos em maio passado na disputa russo-ucraniana.

Como, então, devemos interpretar a dificuldade do Brasil em transmitir mensagens que, há dez anos, se não tiveram um impacto concreto, pelo menos foram ouvidas? Sem dúvida, não há um fator único ou principal que possa responder a essa pergunta, mas sim uma combinação desfavorável de múltiplas causas. A primeira é interna. O Brasil de 2025 não é mais o Brasil de 2010. Em 2010, o crescimento foi de 7%. Em 2024, foi de 3%, e este ano deve ficar em torno de 2% [8]. A taxa de investimento é baixa (16,5% do PIB em 2024), a dívida pública é alta (87,6% do PIB em 2024 e 92% previsto para 2025), os preços estão em tendência de alta e a taxa de inflação foi de 4,8% em 2024, situação que justifica as altas taxas de juros fixadas pelo Banco Central, mas que está pesando sobre o investimento e o crescimento. Os acidentes climáticos dos últimos meses (secas e enchentes), em um oxímoro, aumentaram as dificuldades cíclicas [9]. O Estado brasileiro hoje não tem mais a facilidade financeira que em 2010 lhe permitiu reduzir o abismo social e, assim, gerar uma forte confiança interna. A popularidade do presidente Lula estava no auge naquela época. Esse não será mais o caso em 2025. Essa confiança, com suas bases concretas, apoiou a inventividade das autoridades, tanto interna quanto internacionalmente.

O Estado, o poder público e sua imagem também estão sofrendo com o legado institucional deixado pelas presidências de Temer e Bolsonaro. Esse fator adicional reduziu ainda mais a capacidade de ação de Lula e de seu governo. O Estado federal perdeu seus instrumentos de intervenção. Várias empresas públicas foram privatizadas. O Banco Central agora é independente. O mandato de Jair Bolsonaro endureceu a resistência social dos grupos que, em 2003-2010, concordaram em compartilhar os ganhos de capital das exportações agrícolas. De 2016 a 2023, a vida política rompeu com a prática do compromisso democrático. As pessoas mais ricas e as envolvidas no Judiciário, no Exército, na polícia e na ordem religiosa radicalizaram a opinião pública, criando um clima de desconfiança entre muitos brasileiros em relação à sua democracia e aos envolvidos nela. A tentativa de golpe contra o presidente Lula em 8 de janeiro de 2023 ilustrou essa mudança de época. Todos esses fatores tiveram um efeito indireto sobre a imagem internacional do país [10].

Os apoiadores institucionais do presidente Lula perderam sua influência na sociedade. O Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente, um amálgama inicialmente formado por sindicalistas, ativistas da sociedade civil e católicos progressistas, foi diluído pelas instituições que sugaram sua força vital. Retirado das áreas de poder, o PT está menos presente nos bairros da classe trabalhadora [11]. O lugar que ele abandonou silenciosamente é agora ocupado por igrejas evangélicas pentecostais cujos líderes disseminam uma ideologia religiosa individualista, piramidal e ultraliberal [12]. Na ausência de uma maioria coerente no Parlamento, o presidente e seu governo, os membros eleitos do PT e seus aliados, estão ao mesmo tempo preocupados com o regateio constante, em vez de inventar esquemas políticos e diplomáticos imaginativos.

Por todas essas razões, o Brasil de 2025 não tem carta branca para forçar a porta e a entrada de membros permanentes no Conselho de Segurança, em acordo com outros países emergentes com essa pretensão ou com aqueles que se consideram excluídos desse cenáculo. O atual contexto internacional acrescenta mais obstáculos à aposta de Lula no multilateralismo [13]. Isso levanta a questão da relevância dessa escolha à luz de uma realidade internacional em que um número crescente de partes rompeu com os principais princípios do direito das nações [14]. Os Estados Unidos e a Rússia, seguidos por outros, como Israel e Ruanda, abandonam o reconhecimento do outro, de sua legitimidade, quando justamente, até agora, havia uma concordância universalmente estabelecida segundo a qual a diplomacia era um ritual para a resolução ordenada de conflitos.

Em 2023, como havia feito no período de 2003 a 2010, Lula buscou relações internacionais ideologicamente próximas para fortalecer a cooperação intergovernamental, o multilateralismo e a criação de compromissos internacionais negociados 15]. Em 2002, antes de assumir o cargo, ele apostou em uma França liderada por um presidente socialista democrático, Lionel Jospin, e depois nos partidos e governos da Internacional Socialista, Gerhard Schröder da Alemanha (1998-2005), José Luis Rodríguez Zapatero da Espanha (2004-2011) e José Sócrates de Portugal (2005-2011). Ao mesmo tempo, ele contava no jogo de cartas com os governos progressistas da América Latina.

Em 2023, ele retomou essa tocha, visitando os governos europeus da família socialista democrática – António Costa, de Portugal, e Pedro Sánchez, da Espanha – enquanto cultivava os chefes de Estado da esquerda latino-americana – Alberto Fernández, da Argentina (2019-2023), Gabriel Boric, do Chile (2022-2026), Gustavo Petro, da Colômbia (2022-2026) e Yamandú Orsi, do Uruguai (2025-2029). Mas os altos e baixos eleitorais, às vezes, foram na direção oposta. A Argentina, um importante parceiro do Mercosul, é liderada desde 10 de dezembro de 2023 por um libertário, Javier Milei, que está de olho na Estrela do Norte americana [16].

Assim como os novos líderes do Equador (Daniel Noboa), Paraguai (Santiago Peña) e El Salvador (Nayib Bukele), o Peru está navegando sem bússola ou leme. Os países europeus estão seguindo o mesmo caminho, da Itália a Portugal. A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos criou um contexto de incerteza eleitoral, política, comercial e diplomática. Estimulou correntes de extrema direita na Europa: Hungria, Holanda, Romênia, Suécia, e na América do Sul, em países sujeitos à renovação eleitoral, incluindo o Brasil de Lula, a Colômbia de Gustavo Petro e o Chile de Gabriel Boric.

O multilateralismo, que o Brasil está tentando reavivar [17], também está enfrentando o retorno da força e da competição militarizada para regular disputas e conflitos internacionais. Como Rubens Ricupero apontou, as Nações Unidas não estão em posição de corrigir os déficits diplomáticos. As instituições intergovernamentais estão sofrendo. Na América Latina, o bom funcionamento do Mercosul está sendo prejudicado pelas dúvidas da Argentina de Javier Milei.

A União Europeia, cuja vocação principal é facilitar a criação de uma zona de paz que conduza ao desenvolvimento de uma economia de mercado, não está em posição de contrabalançar esses desenvolvimentos. O grupo BRICS é cada vez mais articulado e mobilizado pela China. Sua ampliação reduziu o peso relativo do Brasil, que não conseguiu integrar um ou mais de seus aliados latino-americanos. O México de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) indicou publicamente que não participará. A Argentina, após a vitória de Javier Milei, retirou a declaração de adesão feita pelas autoridades justicialistas anteriores. O Brasil mantém relações ambíguas com alguns Estados latino-americanos, como Cuba, Nicarágua e Venezuela, que se afirmam como sendo uma esquerda inamovível. No entanto, Brasília se distanciou de Havana, discutiu com Caracas e praticamente rompeu com Manágua. Essas três nações não são ou não são mais vistas pelo Brasil, seja na CELAC ou na Unasul, como aliados favoráveis ao multilateralismo.

Desde o início, Lula foi fisicamente confrontado por uma adversidade cuja força ele talvez não tenha apreciado. A tentativa de golpe contra ele em 8 de janeiro de 2023 e o assédio multidirecional do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, forçaram-no a uma emergência política, diplomática e econômica. Tomadas às pressas, essas medidas não são facilmente legíveis, seja na política interna ou nas relações exteriores.

Internamente, o PT e seus aliados do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) perceberam a necessidade de se reconectar com o eleitorado popular, faltando pouco mais de um ano para as próximas eleições presidenciais e legislativas. Talvez tenha sido considerado tarde demais para criar um programa para atender a essa necessidade urgente? O pragmatismo prevaleceu. A comunicação, baseada em retórica com um horizonte mínimo e mais fácil de implementar, foi a preferida. Lula, incapaz, como foi em 2002, de contar com um PT com um software forte disseminado por centenas de milhares de militantes, está buscando um pacto de não agressão com os pastores das igrejas evangélicas pentecostais, que estão percorrendo os bairros periféricos. Sob o risco de fazer concessões ideológicas com consequências incertas para aqueles que controlam setores da classe trabalhadora, os evangélicos [18].

Sem uma maioria coerente no Parlamento, o PT e seus aliados de esquerda, sob a liderança do presidente, negociam acordos de geometria variável com os partidos majoritários, que são mais ou menos de centro-direita.

Fora do país, as viagens do presidente têm se tornado cada vez mais econômicas e comerciais para afastar as ameaças alfandegárias de Donald Trump. Correndo o risco, para extrapolar a fórmula proposta pelo professor argentino de relações internacionais, Juan Gabriel Tokatlian [19], de transformar o Brasil em um novo Estado “vassalo” da China para resistir à pressão dos Estados Unidos. O presidente Lula está claramente ciente da necessidade de construir contrapesos multilaterais, especialmente entre os países latino-americanos. Em 10 de maio, ele reiterou que “o Brasil trata os Estados Unidos com muito respeito […] Mas o Brasil exige ser tratado em pé de igualdade […] Não estamos interessados em protecionismo. Queremos um comércio que seja flexível e justo […] que conduza a políticas inclusivas em favor dos países pobres. […] É incrível que as pessoas não tenham aprendido as lições da importância do multilateralismo após a Segunda Guerra Mundial”.

Em 13 de maio, ele reiterou: “A solução para a crise do multilateralismo não é abandoná-lo [mas] construir um mundo compartilhado, reduzir as assimetrias entre os países […] A América Latina e o Caribe podem contribuir para isso […] Ou jogamos juntos, ou a América Latina continuará sendo o que é, uma região pobre”. Mais do que os países latino-americanos, foi a China que respondeu ao desafio de Lula, intensificando sua cooperação com a CELAC. É verdade que os julgamentos e as propostas de Lula foram feitos em Moscou e Pequim. Pequim é o principal parceiro econômico dos países sul-americanos e o segundo maior dos países da América Central e do Caribe. Foi o iniciador dos BRICS e do Banco dos BRICS, cuja sede fica em Xangai (China). Essa realidade é bem compreendida pelo primeiro-ministro brasileiro. A China é, de longe, seu maior mercado e seu maior fornecedor. Mas será que ele tem outra opção a não ser ir a Pequim para amortecer a brutal ofensiva alfandegária e diplomática de Donald Trump? O apoio chinês é decisivo”, disse ele de Pequim, “mas sua viabilidade depende de nossa capacidade de coordenação em escala regional”[20].

O clímax climático Lula-Macron

A escala em Paris e Nice, nos dias 8 e 9 de junho de 2025, fez avançar as expectativas de Lula quanto ao recuou do protecionismo e a preservação do multilateralismo? Além das boas intenções habituais – sobre paz, livre comércio, proteção ambiental, defesa e energia nuclear civil, cooperação internacional, adesão do Brasil à OCDE e ao status de membro permanente do Conselho de Segurança – o que essa reunião pode alcançar?

O Lula que foi a Paris claramente não é, ou não é mais, o porta-voz da América Latina. O pragmatismo e a prudência são os princípios orientadores de quase todos os países que não estão em condições de resistir à ofensiva brutal de Washington ou de dispensar o investimento chinês. A França tem sido liderada por um presidente in partibus desde sua aposta eleitoral fracassada em 2024. Além disso, como qualquer membro da União Europeia e da OTAN, Paris não é dona de sua própria agenda. Por fim, embora Brasília e Paris concordem em desafiar o método Trump, as soluções propostas por ambos os lados estão longe de coincidir.

O acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul ainda é tema de debate entre os dois países, independentemente das famílias políticas no poder. Lula se opõe a qualquer militarização das relações internacionais. A França apoia a necessidade de programas ambiciosos de armamentos, e ambos os países condenam a invasão da Ucrânia. No entanto, enquanto Paris defende o diálogo forçado por sanções coletivas, Lula optou por viajar a Moscou, por ocasião de uma parada militar, para convencer Vladimir Putin das virtudes do diálogo. As mesmas observações poderiam ser aplicadas ao Oriente Médio. O Brasil, que estabeleceu relações diplomáticas oficiais com Ramallah em 2011, condenou veementemente Israel e pediu à ONU que reconhecesse o Estado palestino. A França se distanciou das autoridades israelenses. Mas, como a maioria dos europeus, Paris se limitou a fazer mais barulho diplomático e gesticular sem resultados concretos.

O que resta é, sem dúvida, a ilustração de uma amizade que se renova periodicamente, em torno do futebol e do samba, do lado brasileiro, e da gastronomia e dos perfumes, do lado francês, tudo acompanhado de alguns grandes contratos. Para isso, as temporadas de crossover França-Brasil criaram um comitê de patronos presidido pelo chefe do Conselho de Administração da Engie.

Sob o comando de Nicolas Sarkozy, a França militarizou com sucesso a relação bilateral, vendendo helicópteros e submarinos ao Brasil. Dado o contexto internacional, essa conquista poderia ser ampliada. Uma compra da empresa israelense de armas Elbit Systems, fabricante de veículos de artilharia móvel, foi bloqueada por causa da guerra em Gaza. Desde então, o Brasil ampliou sua parceria de aviação militar com a Suécia e um acordo financeiro foi assinado com o grupo bancário espanhol Santander para fortalecer o setor de defesa brasileiro. Embora a proteção ambiental estivesse na pauta da visita de Emmanuel Macron ao Brasil de 25 a 28 de março de 2024, os dois chefes de Estado conversaram sobre a transição energética e a cooperação em energia nuclear civil.

A única coisa certa é que em 31 de março e 1º de abril, durante a visita a Paris de Fernando Haddad, ministro da Economia do Brasil, para preparar a visita do presidente Lula, apenas a economia esteve oficialmente no centro das discussões com seu homólogo Éric Lombard e o mundo empresarial francês. O Brasil é o 30º maior cliente e o 36º maior fornecedor da França.

Em particular, foram discutidas questões ambientais com o objetivo de impulsionar o comércio bilateral: desenvolvimento sustentável, créditos de carbono, proteção ambiental e política econômica. Após a visita de Estado do presidente Macron a Brasília e a Belém em março de 2024 para celebrar a Amazônia e suas populações “indígenas”, Lula fez uma visita igualmente simbólica em 8 e 9 de junho de 2025, sob a bandeira da proteção dos oceanos. O próximo episódio deve confirmar essa amizade ambiental. Emmanuel Macron anunciou que participará da COP30 em Belém, em novembro.

Quanto ao resto, os dois presidentes têm muito trabalho a fazer para dar conteúdo concreto a suas visões frequentemente convergentes sobre o curso de um mundo fragmentado pelas influências cada vez mais divergentes de Washington e Pequim. As respectivas posições do Palácio do Eliseu e do Palácio do Planalto – sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia e as consequências que devem ser tiradas dela, sobre o reconhecimento de um Estado palestino e a saída para a crise em Gaza, sobre o compromisso a ser construído entre a União Europeia e o Mercosul, sobre o lugar dos militares nas relações internacionais – são, de fato, algumas vezes e até mesmo frequentemente distantes.

A “terceira via” preferida por ambos os lados para jogar da melhor forma possível em um mundo de regras e padrões globalizados bloqueia sua capacidade de reforma e enfraquece o escopo de sua democracia. Embora ambos equacionem o internacionalismo com o globalismo [21], na verdade, apesar de suas reservas, eles favoreceram um caminho que os levou a “líderes” antagônicos, a China para o Brasil e os Estados Unidos para a França. Nos dias 8 e 9 de junho, o clímax entre os dois Estados foi certamente climático, mas será que o barômetro de referência é o mesmo?

 Texto originalmente publicado em francês, em 04 de junho de 2025, no site da Fondation Jean Jaurès, Paris/França, com o título original: “Lula à Paris: perspectives sur la reencontre bilatérale des 8 et 9 juin prochains”. Disponível em: https://www.jean-jaures.org/publication/lula-a-paris-perspectives-sur-la-rencontre-bilaterale-des-8-et-9-juin-prochains/. Tradução de Andrei Cezar da Silva e Luzmara Curcino.

Notas

[1] Dominique de Montvalon. “Lula, l’ami de Jospin”. Le Parisien, 5 de outubro de 2002.

[2] Quatro países fundadores (Brasil, Rússia, Índia e China) e seis outros países membros (África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã).

[3] Sua candidatura foi apresentada por Lula em 22 de março de 2025, na sequência da eleição para a Secretaria Geral da OEA do candidato surinamês apoiado pelo Brasil contra o candidato paraguaio apoiado pelos Estados Unidos. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil organizou uma apresentação oficial em suas instalações em 5 de maio, seguida por outra na sede da OEA em 14 de maio.

[4] Camila Asano. “Brazil points to problems, but can it promote change”. Open Democracy, 21 de junho de 2013.

[5] Ibid.

[6] Leonardo Miazzo. “Lula dá diagnóstico correto na ONU, mas o ‘remédio’ depende do outros, diz Ricupero”. Carta Capital, 24 de setembro de 2024.

[7] Ibid.

[8] Direction générale du Trésor, “Brésil, indicateurs et conjoncture”, 3 de abril de 2025.

[9] Ibid.

[10] Degradação destacada por Daniel Buarque, “A construção de um pária”, em O Brasil é um país sério?, Pioneira, 2022, p. 157-198.

[11] Marie-Hélène Sá Vilas Boas. “Le Parti des travailleurs sous les gouvernements Lula: entre ‘normalisation’ et réaffirmation de l’identité partisane”. PAL, n. 78, 2010; André Singer. A segunda alma do partido dos trabalhadores. In: “Os sentidos do lulismo”, São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

[12] Jean-Jacques Kourliandsky. “Évangélisme, démocratie et réaction conservatrice en Amérique latine”. Fondation Jean-Jaurès, 21 de junho de 2019; Jean-Jacques Kourliandsky, “Femmes d’Amérique latine : fondamentalismes politiques et religieux”. Fondation Jean-Jaurès, 17 de janeiro de 2025.

[13] Giancarlo Summa et Monica Herz. Multilateralismo na mira: a direita radical no Brasil e na América Latina. Rio de Janeiro: Hucitec Editora, PUC, 2024.

[14] Byung-Chul Han. La disparition des rituels. Arles : Actes Sud, 2025.

[15]  Jean-Jacques Kourliandsky. Lula et la politique étrangère brésilienne de 2003 à 2010. In: CETRI, Le Brésil de Lula, un bilan contrasté, Paris-Louvain: Syllepse-CETRI, 2010.

[16] Estrela Polar ou Respice Polum, uma doutrina diplomática defensiva e pró-norte-americana adotada pela Colômbia após a perda de sua província do Panamá, tendo conquistado a independência que deve muito aos Estados Unidos.

[17] Celso Amorim. “Le Brésil plaide pour le multilatéralisme”. Le Monde diplomatique, maio de 2025, p. 22.

[18] Jean-Jacques Kourliandsky. “Évangélisme, démocratie et réaction conservatrice en Amérique latine”, Fondation Jean-Jaurès, 21 de junho de 2019, e “Femmes d’Amérique latine : fondamentalismes politiques et religieux”, Fondation Jean-Jaurès, 17 de janeiro de 2025. Uma brochura sobre esse assunto foi distribuída aos parlamentares do PT e seus assistentes (Anita Prado. “Evangélicos lançam livro para políticos das esquerdas”. Veja, 9 de maio de 2025).

[19] Juan Gabriel Tokatlian. “El regreso de los Estados vasallos”. Clarin, 14 de maio de 2025.

[20] Imprensa argentina e brasileira, em especial Perfil, Buenos Aires, 10 de maio de 2025, e Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 de maio de 2025.

[21] Wolfgang Streeck. Entre globalisme et démocratie. Paris: Gallimard, 2023.

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Jean-Jacques Kourliandsky é Diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, em parceria com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR) e com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE), ambos com sede na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).