Imagens de suspeito do assassinato do CEO do UnitedHealth Group repercutem online e na mídia
Não é preciso ser cronicamente online para estar a par do maior assunto da internet desta semana: o nome Luigi Mangione tem sido inescapável. Em qualquer canto empoeirado da esfera virtual, ele está lá – seja em forma de notícia, perfil no The New York Times, memes ou edits no TikTok, extrapolando a informação jornalística e tornando-se um viral, adquirindo novas camadas de sentido conforme mídia e usuários mergulham mais e mais no caso do assassinato do CEO do UnitedHealth Group.
A esta altura, sabe-se que Brian Thompson, presidente da multinacional norte-americana especializada em planos de saúde, foi assassinado em 4 de dezembro, em frente ao hotel Hilton, na região de Manhattan, em Nova York. Notícias sobre o crime informam que o executivo estava na cidade para participar de uma conferência de investidores naquele mesmo dia, quando foi morto a tiros; baleado na perna e nas costas, foi declarado morto pouco tempo depois do ataque.
Contudo, o que se sobressaiu em toda essa história não foi o crime, a operação para identificar o suspeito ou as possíveis motivações que levariam a uma “retaliação” ao setor de saúde privado dos Estados Unidos e à própria UnitedHealthcare – o grupo foi alvo de protestos em julho deste ano no estado de Minnesota devido ao alto índice de recusa às solicitações dos pacientes e às apólices de seguro –, mas o próprio suspeito: Luigi Mangione, 26, formado em uma das prestigiosas universidades que integram a chamada “Ivy League”.
Um longo perfil publicado pelo The New York Times em 9 de dezembro disseca detalhes sobre a vida de Luigi: vindo de uma família rica da região de Baltimore, no estado de Maryland, estudou em escolas de prestígio, foi orador de turma – nas escolas norte-americanas, o “valedictorian” costuma ser o estudante com as melhores notas e maior média global –, graduou-se e obteve o título de mestre na Universidade da Pensilvânia, onde integrou a sociedade acadêmica Eta Kappa Nu, grupo fundado em 1904 e que permite a entrada apenas dos melhores alunos dos cursos de engenharia elétrica e de computação.
Mas não parou por aí. Conforme as primeiras imagens do suspeito começaram a ser divulgadas e a investigação avançou, trazendo mais detalhes sobre ele, a reação do público nas plataformas de mídias sociais também cresceu. De comentários apoiando e celebrando o assassinato a memes e merchandising, Luigi Mangione se tornou o que se chamaria de main character, o personagem principal da internet nos últimos dias:
“No TikTok, as pessoas estão cantando baladas dedicadas a quem quer que fosse o atirador. No Bluesky, elas se maravilham com sua fuga de bike e com a mochila encontrada no Central Park cheia de dinheiro de Monopoly [Banco Imobiliário] que supostamente pertencia a ele. Foi realizado um concurso de sósias na cidade de Nova York. No Spotify, playlists dedicadas a ele. Fanfic começou a aparecer no Archive of Our Own.” (Angela Watercuter em artigo para a Wired, 10/12/2024, tradução nossa)
Nas bolhas das mídias sociais, é cada vez mais fácil que indivíduos com interesses em comum se encontrem. O ambiente digital potencializa a cultura de fãs, que não é novidade alguma, mas parte integrante das sociedades capitalistas e industriais modernas; plataformas baseadas em conteúdo criado pelos usuários, como o TikTok, são espaços ideais para o compartilhamento de ideias, interação e engajamento com o objeto de interesse e com outras pessoas que fazem parte do mesmo grupo. Com base no conceito bourdieusiano de economia cultural, Fiske (2001) caracteriza a cultura de fã, os fandoms, como o registro de um sistema subordinado de “gostos culturais”, que, muitas vezes, difere do que é considerado “alta cultura” ou até mesmo “socialmente aceitável”, legitimado, autorizado. Fandoms criam suas culturas, com suas próprias linguagens e sistemas de produção e distribuição de conteúdo, e as pessoas que fazem parte desses grupos são altamente produtivas, mas estão fora dos espaços oficiais da indústria cultural.
O que isso tem a ver com Luigi Mangione e, principalmente, com o jornalismo? Quando um personagem da mídia – neste caso, um suspeito de assassinato – se torna objeto de fandom, como é possível perceber por meio dos memes, fanfictions, concursos de sósias e na produção de “merchandising”, isso também se reflete na forma como algumas mídias tratam do assunto. A espetacularização e o sensacionalismo têm seu momento de brilhar quando, por exemplo, uma rede de televisão exibe um edit com fotos de Luigi ao som da música Criminal, de Britney Spears.
Quantas fronteiras são borradas quando um noticiário exibe fotos de um suspeito de assassinato enquanto uma das maiores popstars do século canta “But mama I’m in love with a criminal / And this type of love isn’t rational, it’s physical / Mama please don’t cry, I will be alright / All reason aside I just can’t deny, I love the guy” (mas, mamãe, eu estou apaixonada por um criminoso / esse amor não é racional, é físico / mamãe, por favor, não chore, eu vou ficar bem / deixando a razão de lado, não posso negar, eu amo esse cara)?
Após a identificação de Luigi Mangione como “pessoa de interesse”, as notícias em portais online escancaram uma foto dele sem camisa, sorrindo em uma trilha, e classificam o rapaz como “sex symbol” e como a nova paixão da internet:
Conforme o caso avança – Mangione foi detido na segunda-feira passada, 9, e será julgado por assassinato –, novas informações continuam a ser publicadas pela mídia internacional, mas também por jornais regionais brasileiros, como é o caso da NSC Total, em Santa Catarina, do baiano A Tarde, entre outros. Em uma cultura de cliques, cada passo da investigação e do julgamento é atualizado o mais rápido possível, com cada veículo tentando ser mais rápido que seus concorrentes.
Não é a primeira vez, e nem será a última: em 2013, os suspeitos de plantarem uma bomba na Maratona de Boston ficaram conhecidos como os “terroristas gatos” e, em 2014, o modelo, ator e ex-membro de gangue Jeremy Meeks foi preso por posse de arma em uma operação na Califórnia, e ficou conhecido como “hot criminal” após a divulgação de sua mugshot.
O jornalismo há muito tempo bebe do que viraliza na internet, com as notícias mais lidas dos portais sendo, comumente, sobre entretenimento, celebridades e assuntos gerais de interesse do público; então, quando um assassinato de um CEO de uma multinacional – tema de alto valor-notícia – cai nas graças da audiência, seja por que motivo for, como não espremer até sair sangue? Essa parece ser a lógica seguida pelos jornais, sites e emissoras, que dedicam tempo e espaço não só à atualização do caso, mas à sua repercussão digital, sem necessariamente refletir sobre o que significa a recepção do público à história e aos “personagens” envolvidos; personagens, pois a representação e, é possível dizer, idealização, afasta-os completamente das pessoas reais, criando uma imagem pública que acaba por ser reforçada pelo jornalismo que repercute acriticamente o que ganha espaço em memes online.
Por meio da espetacularização e do sensacionalismo, o noticiário captura a atenção do público e, no meio digital, uma moeda valiosa: os cliques que impulsionam as métricas de audiência, dados qualitativos que apontam o que e quando os leitores acessam nos sites, quanto tempo permanecem nas páginas, dados de compartilhamento, entre outras informações que influenciam diretamente as decisões estratégicas das organizações jornalísticas, moldando a forma como jornalistas e editores pensam as notícias, como elas são apresentadas e o que é considerado mais ou menos relevante (Vieira, 2018).
No caso do assassinato do CEO do UnitedHealth Group, o que se vê são atualizações constantes da situação, mas também uma exploração desenfreada de detalhes da vida pessoal do suspeito, sua “pegada digital” (contas em redes sociais como X, Goodreads, Letterboxd, entre outras), sua família, educação e, claro, imagens e mais imagens, seguindo os comentários nas mídias sociais de que Luigi Mangione é “too hot to convict” (“gato demais para condenar”), como dizem usuários do X:
A repercussão deste caso poderia ser uma oportunidade para que o jornalismo refletisse sobre a forma como crimes são noticiados e recebidos pelo público, acompanhando a “febre” pelos podcasts, documentários e séries de true crime que vêm fazendo sucesso nos últimos anos. De que forma essas histórias impactam as pessoas? Como a audiência faz seus julgamentos sobre a inocência ou culpa de um suspeito? E como o jornalismo contribui para a formação da opinião pública nessas situações? Essas e muitas questões poderiam ser, se não respondidas, ao menos atacadas pelos jornalistas e editores responsáveis, que têm também como função compreender o papel social do jornalismo, que vai muito além de apenas oferecer informação.
Referências:
FISKE, J. The Cultural Economy of Fandom. In: LEWIS, L. The adoring audience: fan culture and popular media. London: Routledge, 2001, p. 30-49.
VIEIRA, L. Métricas editoriais no jornalismo online: ética e cultura profissional na relação com audiências ativas. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Florianópolis, 2018.
Texto publicado originalmente em objETHOS.
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Natália Huf é Doutoranda no POSJOR-UFSC e pesquisadora do objETHOS