Sexta-feira, 18 de julho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1347

A falta de diversidade na seleção das fontes jornalísticas gera agenda noticiosa distorcida

(Foto: Flo Dahm/Pexels)

Entender o que está acontecendo no Oriente Médio tornou-se uma tarefa quase impossível se formos tomar como base a informação transmitida pela imprensa brasileira convencional. Impossível, porque temos mais versões e opiniões do que fatos e dados. E com este tipo de insumo informativo podemos apenas ter percepções enviesadas do que acontece em Tel Aviv, Gaza, Beirute e Teerã.

O jornalismo dos três grandes jornais e dos três maiores telejornais nacionais baseia seu noticiário em fontes externas e em comunicados oficiais, que todos nós sabemos serem parte da guerra da publicidade. Não há correspondentes brasileiros no cenário da guerra, salvo raras exceções de repórteres pouco experientes e que já estavam no palco dos conflitos. Predominaram entrevistas via WhatsApp com moradores ou turistas brasileiros. Os correspondentes estão em Washington, Londres, Genebra, Paris e Roma, onde inevitavelmente se nutrem de informações colhidas em fontes locais e que são condicionadas por percepções também locais.

Um enviado especial encarregado da cobertura de uma guerra precisa consultar fontes locais pois ele é um só acompanhando uma crise complexa, onde o acesso aos fatos é também complicado. Nestas condições, o importante é identificar claramente as fontes consultadas (seu posicionamento político e seus objetivos estratégicos) para que seus leitores, ouvintes ou telespectadores possam tirar suas próprias conclusões.

Já foi o tempo em que nossa imprensa era rápida no envio de repórteres tarimbados aos locais de conflito. Temos profissionais capacitados para cobrir guerras e crises internacionais, mas nossos jornais e emissoras de TV preferem não gastar dinheiro com coberturas mais arriscadas e menos ainda em separar os fatos da propaganda de governos ou grupos políticos em eventos complexos como os que acontecem hoje em Gaza e no Irã. O marketing bélico é inerente a qualquer conflito, mas cabe ao jornalismo identificá-lo, para que as pessoas possam fazer julgamentos e emitir opiniões independentes.

Noticiário sem diversidade de fontes

Nos Estados Unidos, a Columbia Journalism Review, uma respeitada publicação especializada em discutir o jornalismo, destacou a escassez de versões alternativas na cobertura dos bombardeios israelenses em Gaza e agora no Irã. Kourosh Ziaari, um premiado jornalista iraniano residente nos Estados Unidos condenou a falta de vozes iranianas na imprensa norte-americana, cuja falta de diversidade informativa acabou levando-a a perder público para as plataformas digitais.

O jornalismo, como função pública focada no atendimento das necessidades informativas das pessoas, passa a ocupar neste contexto um preocupante segundo plano. É uma omissão grave porque sem a checagem da diversidade, exatidão e confiabilidade do noticiário, todos nós somos vulneráveis a visões distorcidas das causas, desenvolvimento e consequências dos conflitos no Oriente Médio e, consequentemente, passíveis de apoiar soluções que atendem basicamente aos interesses de uma das partes envolvidas nos combates.

Isto mostra o quão distanciada está a nossa imprensa dos dados, fatos e eventos que estão moldando o mundo atual. Distanciamento este que não se limita apenas ao caso do conflito entre a aliança Estados Unidos/Israel contra movimentos palestinos e o Irã. O mesmo tratamento enviesado está sendo usado pela imprensa brasileira para informar por exemplo sobre os atritos entre governo e oposição a propósito do corte nos gastos públicos. Já não há mais segredo de que este virou um problema eleitoral, associado a possíveis candidaturas no pleito presidencial do ano que vem. Mas a imprensa vem tratando a questão como se fosse um problema de performance administrativa, vinculando só esporadicamente o tema à sucessão do presidente Lula.

A agenda da grande mídia parece que encolhe cada vez mais, à medida que cresce a diversidade dos temas em discussão na arena da opinião pública. É uma tendência que alcança outras áreas do noticiário, como, por exemplo, a inteligência artificial. Quando se entra em redes informativas, como a Medium, a abordagem dos diferentes autores (quase todos especialistas em IA) mostra como a cobertura da imprensa convencional se preocupa mais com o marketing de novos programas do que com as preocupantes e complexas consequências da inteligência artificial.

A guerra da inteligência artificial

O professor e pesquisador espanhol Enrique Dans mostrou recentemente que a IA vai devastar o setor da publicidade por meio de programas como o Symphony  Creative Studio, da plataforma TikTok, que em minutos capta as preferências do usuário sobre um item qualquer, varre milhões de sites e posts sobre o tema, cria avatares da pessoa e produz conteúdos multimídia personalizados para induzir ao consumo. Tudo isto de forma quase instantânea e individualizada, abrindo a possibilidade de um sofisticado sistema influenciador de comportamentos muito mais eficiente do que as atuais recomendações de sites, sempre que alguém faz uma busca no Google, por exemplo. Meta e Google estão correndo atrás do prejuízo e devem lançar em breve projetos similares. O principal objetivo de projetos como o Symphony não é mais vender produtos e serviços, mas sim induzir a adoção de comportamentos e valores.

Segundo Dans e outros especialistas, a propaganda convencional focada no consumo em massa está com seus dias contados. Os anunciantes podem agora usar a IA para entrar no subconsciente de cada indivíduo e levá-lo a consumir sem que ele saiba o porquê. Esta invasão da privacidade pessoal é um tema de interesse coletivo, mas que está ausente na agenda da mídia. Ao se omitir, a imprensa deixa de cumprir com aquilo que deveria justificar sua existência: a prestação de um serviço público de informação para que as pessoas possam decidir sobre o que necessitam e desejam.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.