Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Quem pode salvar a imprensa?

A resposta a esta pergunta é talvez o maior dilema enfrentado atualmente por jornais, revistas, emissoras de rádio ou TV e projetos jornalísticos online, aqui e no resto do mundo. Há muita gente qualificada e dezenas de empresas e instituições renomadas tentando encontrar, achar uma solução salvadora, mas tudo o que descobriram até agora é que não haverá uma única fórmula milagrosa. 

O importante é que no debate sobre o futuro da imprensa, os governos já não são vistos como o grande inimigo da livre circulação de informações. Começam a circular propostas de que a notícia deixaria de ser uma mercadoria e que o jornalismo deveria ser tratado como um serviço de utilidade pública, tão relevante quanto a educação e a saúde. Como a função dos governos é ser o principal provedor de serviços públicos, a preservação do livre fluxo de informações estaria dentro de suas atribuições.

Três soluções para a crise na imprensa ganharam, recentemente, mais visibilidade pública: ajuda governamental na forma de subsídios ou financiamentos; pagamento de direitos autorais por notícias publicadas em plataformas digitais tipo Google e Facebook; e a formação de comunidades de leitores, ouvintes ou telespectadores para garantir a sustentabilidade financeira, parcial ou total, de projetos jornalísticos. (*).

A ilusão governamental

A ajuda estatal está em debate há pelo menos 10 anos nos Estados Unidos na Europa, especialmente na França e países nórdicos. A imprensa francesa já recebe subsídios estatais, mas a medida é vista como um paliativo incapaz de garantir que os grandes jornais consigam voltar a ser altamente lucrativos. Nos Estados Unidos, há dois projetos em tramitação no Congresso criando isenções fiscais e financiamento direto a grandes conglomerados e ao jornalismo local. 

Mas ambos os projetos estão paralisados na Câmara de Representantes e no Senado por questões político eleitorais, havendo poucas expectativas de que possam vir a ser transformados em lei antes das eleições presidenciais de 2024. Mesmo se aprovados pelo Congresso norte-americano, os projetos têm alcance limitado porque garantem apenas uma sobrevida financeira às empresas e profissionais beneficiados. 

Para os grandes conglomerados midiáticos a ajuda estatal permitirá que eles tenham mais tempo para migrar seus investimentos para outras atividades financeiras mais lucrativas.  Mas segundo o pesquisador Patrick Walters, autor do artigo Public Good:Can the Government Really Save the Press,  na verdade se trata de uso do dinheiro o público para cobrir prejuízos privados, como aconteceu com a ajuda do governo norte-americano a bancos privados ameaçados de falência, na crise financeira de 2007/2008.  

Para os pequenos e médios empreendimentos jornalísticos, bem como para os profissionais autônomos, a ajuda estatal é pouco confiável porque estará dependente da burocracia estatal e da conjuntura política. Os estados nacionais, na maioria esmagadora dos casos, são hoje reféns de uma máquina burocrática preocupada mais com seus privilégios e interesses do que com as necessidades informativas da população. Os recentes aumentos salariais no sistema judiciário brasileiro e o inchaço dos orçamentos militares são uma prova evidente deste fenômeno.

Assim, a opção governamental no salvamento da imprensa só acontecerá quando interessar à burocracia estatal e aos políticos, o que marca um distanciamento crítico em relação à demanda crescente das pessoas comuns por informações que as permitam tomar decisões capazes de melhorar seu padrão de vida. É este papel cada vez mais importante na vida das pessoas que motiva a corrente de pesquisadores acadêmicos como os norte-americanos Robert McChesney e Victor Pickard a defenderem a tese de que o jornalismo é um serviço público que deve ser protegido pelo Estado. 

As plataformas

As plataformas digitais de redes sociais como Facebook, Google, Instagram, Youtube e Twitter não são as principais responsáveis pela crise na imprensa mundial, mas o fato de reproduzirem notícias publicadas em jornais, revistas rádios e TVs as transformou no principal alvo das críticas dos grandes conglomerados midiáticos. O argumento é que as redes violam as leis vigentes sobre direitos autorais e que, portanto, elas devem pagar pelo uso de material produzido por publicações jornalísticas.

Empresas como Google e Facebook a princípio se negaram a pagar, alegando que eram plataformas tecnológicas (Google como mecanismo de buscas na internet e Facebook como facilitador da interatividade entre usuários) e não produziam conteúdos jornalísticos. A polêmica entre as redes e o binômio imprensa/governos é complexa porque envolve dois contextos diferentes, o analógico (onde a notícia é uma mercadoria) e o digital (onde a informação deixou de ser uma commodity). Os dois lados se movem por lógicas distintas o que torna o entendimento muito difícil.

A partir de 2020, as plataformas Google e Facebook perceberam que bater de frente com os políticos era uma postura desgastante e resolveram angariar simpatias ao financiar projetos jornalísticos inovadores, usando a fabulosa lucratividade obtida com o processamento de dados obtidos gratuitamente de seus usuários. As redes estavam também muito pressionadas pelas acusações de cumplicidade na veiculação de notícias falsas (fake news).

Em fevereiro de 2021, depois de uma longa e áspera troca de mútuas acusações, o governo australiano e Google fecharam um acordo segundo o qual a plataforma de buscas pagará pela reprodução de notícias publicadas pelos conglomerados jornalísticos News Corporation, Nine Entertainment e Seven West Media.  O governo do então primeiro-ministro Scott Morrison (de direita) agiu sob pressão do grupo News Corporation, controlado pelo milionário Rupert Murdoch. Passados 18 meses do fechamento do acordo, que os australianos chamam de Code (Código), os resultados parciais são considerados positivos, até por pequenos e médios empreendimentos jornalísticos locais. 

Mais recentemente, o governo do Canadá também anunciou que vai negociar um acordo com as plataformas, fato que sinaliza a possibilidade de mais países seguirem o mesmo exemplo. A questão é que a intervenção oficial tende a privilegiar as empresas mais poderosas, cujo modelo de negócios está severamente ameaçado, em prejuízo dos novos projetos jornalísticos, especialmente comunitários. 

As comunidades de leitores

Facebook, Google, Twitter, Youtube, Instagram e WhatsApp perderam a aura idealista do princípio da internet e agora se movem pela lógica capitalista convencional. A preferência é pelo financiamento de iniciativas jornalísticas inovadoras que mais tarde possam vir a ser compradas pelas grandes redes. Com isto, a sustentabilidade financeira de projetos jornalísticos comunitários, locais ou de gênero passa a depender basicamente do apoio dos seus usuários.

Os simpatizantes de um projeto contribuem seja por assinaturas, mensalidades e doações ou, até mesmo, da prestação voluntária e gratuita de serviços, tanto para a remuneração dos jornalistas como para a aquisição e manutenção de equipamentos.  A condição indispensável para que este modelo funcione é a fidelização dos usuários. 

É uma tendência que começa a ganhar adeptos como é o caso brasileiro da  TV 247,  apoiada por uma comunidade que está prestes a conquistar seu milionésimo membro. A sustentabilidade financeira baseada em comunidades implica na produção de material jornalístico de interesse direto dos seus usuários e no uso de uma narrativa adequada às características culturais do público-alvo.  

A opção comunitária é quase que inevitável para os novos empreendimentos jornalísticos em ambiente digital porque a publicidade comercial gera poucas receitas, o apoio governamental vai depender da conjuntura política e as plataformas tendem a privilegiar seus interesses corporativos em qualquer parceria. 

Não há, portanto, uma resposta completa para o dilema da sobrevivência da imprensa na era digital. Há muitos estudos e experiências em curso, mas ao que tudo indica, além de ser muito difícil o desenvolvimento de uma solução única para todos os casos, cada projeto, grande ou comunitário, terá que combinar diferentes possibilidades de financiamento e de faturamento conforme a realidade local. 

(*) Imprensa é o conjunto de empresas que comercializam notícias com finalidades lucrativas. Jornalismo é o exercício da atividade informativa focada nas necessidades, problemas e desejos da sociedade.

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Carlos Castilho
 é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.