Sábado, 8 de novembro de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1363

Repercussão da exploração na Foz do Amazonas, às vésperas da COP-30, escancara discursos ambientais vazios

(Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebo)

A menos de um mês da realização da 30ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP-30), que busca discutir caminhos para o enfrentamento da emergência climática, a Petrobras recebeu a licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para perfurar o primeiro poço em águas profundas na bacia da Foz do Amazonas, próxima à costa do Amapá. A exploração de pesquisa por petróleo na região estava em negociação desde o início do ano, e exigia múltiplos pareceres técnicos de segurança contra vazamentos e de asseguração à biodiversidade local. A licença é para o primeiro poço, mas deve destravar uma corrida por reservas na área.

O governo defende a proposta de exploração do que denomina “riqueza”, e esteve em embate com o Ibama pela licença. A área, antes de ser licenciada, já estava incluída no primeiro leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que ocorreu em junho, e vem despertando grande interesse econômico e político. No leilão, a ANP concedeu 34 blocos exploratórios, 19 localizados na bacia da Foz do Amazonas.

Arte: Petrobras/Divulgação

A justificativa principal para seguirmos ampliando a indústria do petróleo – e agravando a crise climática – é econômica: as reservas seriam uma importante garantia para o Brasil,  possibilitando, inclusive, a transição energética. Aí está uma das maiores contradições da política ambiental do Brasil nos tempos recentes.

Nosso Observatório, nesta semana, faz uma breve análise da repercussão dessa licença do Ibama, às vésperas da COP-30, num dos maiores veículos do País, a Folha de São Paulo. De 15 a 22 de outubro, a Folha publicou 25 matérias que mencionam a expressão “Foz do Amazonas”.

De 15 a 19 outubro, antes da licença ser  liberada pelo Ibama, a editoria Ambiente já informava movimentos do presidente do Congresso Nacional,  Davi Alcolumbre, para derrubada de vetos de Lula no senado, por interesse na Foz do Amazonas. Através da Licença Ambiental Especial, dispositivo presente no conhecido  “PL da Devastação”,  empreendimentos estratégicos ao governo têm o seu processo agilizado. Também nesse período, a Folha informou que a Petrobras apresentou os últimos esclarecimentos técnicos para o Ibama, e quanto a petroleira gastou com as medidas para evitar danos ambientais – no mesmo texto, indica que a exploração é aprovada pela maioria da população, segundo o Datafolha.

Na imediata repercussão da notícia de liberação da licença, de 20 a 22 de outubro, houveram 20 publicações na Folha. Dessas, 15 eram notícias e reportagens, a maioria delas publicada na editoria Ambiente (12) , depois na editoria da Economia (2) e Política (1). Das notícias e reportagens analisadas, 8 mencionaram a sua proximidade com a COP-30; 7 trouxeram os riscos ambientais da exploração; 5 mencionaram as contradições com a transição energética defendida pelo governo; 5 realizaram entrevistas com ambientalistas ou mencionaram as principais críticas; e apenas 3 mencionaram os possíveis danos aos povos indígenas da região.

Dividindo-se entre notícias declaratórias, com os discursos do governo federal, da Petrobras e da ANP, de justificativa econômica para a exploração da Foz, e matérias que trazem as nuances dos riscos ambientais e sociais à exploração, a Folha parece se preocupar em trazer as críticas sobre o fato. No entanto, vale mencionar que essa repercussão ocorre majoritariamente na editoria dedicada ao meio ambiente, e “outros pontos de vista” aparecerem rapidamente e raramente em matérias factuais sobre a exploração. Isso representa, do ponto de vista do Jornalismo Ambiental, um problema, ao encapsular grande parte da discussão em um único espaço dentro do jornal.

Chama atenção a matéria sobre falas de Janja da Silva na última terça (21), ao defender a licença do Ibama para a Petrobras: “A gente não pode negar a importância que ainda têm os combustíveis fósseis para o desenvolvimento do país”, e “É utópico achar que, de um dia para o outro, a gente vai deixar de usar combustível fóssil”. O texto da Folha questiona as contradições da primeira-dama que, no mesmo dia, esteve em um evento sobre transição energética na Sorbonne, e parece não ver problema algum com a perfuração de uma nova área no País. E a matéria lembra: a autorização foi dada à Petrobras a 20 dias da COP-30.

Foto: Felipe Werneck/Ibama – Wikimedia

Também no mesmo período, a Folha publicou um editorial com a opinião do veículo: “Apostar em combustível fóssil é olhar para trás”, destacando os movimentos do governo federal como retrocessos na transição energética. Enquanto a opinião declarada da Folha é contra o combustível fóssil, cabe contínua análise sobre o tamanho da plataforma dada aos discursos petroleiros na editoria de economia e nos seus conteúdos patrocinados.

Enquanto o Brasil se coloca como líder global da transição energética e do combate às mudanças climáticas, continua a investir nos recursos fósseis.  Na Assembleia-Geral, o presidente Lula afirmou em seu discurso de abertura que a COP-30, liderada pelo Brasil, será a COP da verdade: “o momento dos países comprovarem seu compromisso com o planeta”, disse. O compromisso do Brasil, um mês depois, parece ser o de garantir suas reservas de petróleo ao extrair mais matéria prima comprovadamente desastrosa e diretamente ligada às mudanças climáticas. O fim dos combustíveis fósseis foi recentemente silenciado no discurso do presidente Lula na ONU, como analisado no Observatório pelo colega Luciano Velleda.

Em meio à flexibilização das licenças ambientais no País (já construídas de olho na Margem Equatorial) e  o discurso de que reservas de petróleo pagarão pela transição, a licença para a pesquisa na Foz do Amazonas era, infelizmente, só questão de tempo. Enquanto a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia, com todo o seu poder de decisão e recursos, não alinharem seus planos de futuro às metas do Acordo de Paris, à estratégia nacional de mitigação definida no Plano Clima e à meta de redução de emissões do Brasil, o discurso brasilero apenas não faz sentido.

A transição energética justa não depende necessariamente de novas explorações de petróleo, mas do impulsionamento de energias renováveis (de verdade). Fazer circular os discursos que apontam alternativas ao petróleo e entender as contradições que envolvem o cuidado com o ambiente e a falácia do desenvolvimentismo também são finalidades de um jornalismo responsável e orientado para o interesse público.

Publicado originalmente em Observatório de Jornalismo Ambiental.

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Nico Costamilan é estudante de graduação em Jornalismo na UFRGS,  bolsista de extensão do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e bolsista voluntária do Laboratório de Comunicação Climática (CNPq/UFRGS). Email: nicocostamilan@gmail.com

Eloisa Beling Loose é professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integrante do Grupo e Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e coordenadora do Laboratório de Comunicação Climática (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.loose@ufrgs.br.