Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Teoria e prática do denuncismo

O caso Luz revela trevas

Manchete de O Globo (quarta-feira, 6/9/00): "Hélio Luz recebeu dinheiro da Brasal". Logo nas primeiras linhas do texto está dito que o acusado admitiu ter recebido durante alguns meses uma quantia da fornecedora de "quentinhas" para o pagamento de refeições de 30 policiais. Em seguida uma declaração do acusado: "Foi uma coisa idiota e sei que vou pagar um preço muito alto por isso".

Para quem não sabe: Hélio Luz é deputado estadual no Rio pelo PT, ex-chefe da Polícia Civil (de 95 a 96), um dos primeiros a denunciar a "banda podre" da polícia fluminense, policial-intelectual, rodeado pela imagem de competente e honesto. A Brasal é a fornecedora sem licitação de "quentinhas" para o governo estadual; seu presidente, Jair Coelho, está preso.

Dia seguinte, novamente O Globo, também em manchete: "Hélio Luz será acareado com o Rei das Quentinhas". Sub-título: "Ex-chefe da Polícia Civil prestará novo depoimento e pode ter sigilo quebrado". Na matéria está dito que o próprio Hélio Luz anunciou que está disposto a abrir mão do sigilo bancário.

No terceiro dia, o caso encolheu no Globo – desceu para baixo da dobra com um título de apenas 3 colunas: "Hélio Luz pede CPI para si próprio".

No quarto dia a denúncia estava nas páginas internas. Depois, sumiu.

Este procedimento sugere algumas questões sobre o surto de denuncismo que assola a imprensa brasileira:

Quando o jornal publicou a primeira manchete, já tinha a confissão do próprio acusado de que fizera "uma coisa idiota" com o intuito de cobrir a alimentação dos funcionários que com ele trabalhavam. Se o jornal já dispõe de informação posterior que responde e, de certa forma, atenua a acusação, por que recorre à manchete acusadora? Não seria o caso de começar a noticiar com uma titulação menos dramática e, na medida em que a denúncia ganhasse consistência, aumentar a carga visual?

Quando começa a ficar claro que o acusado não agiu de má-fé e está disposto a submeter-se a todas as investigações, a pressão do jornal diminui. Significa que só acusação é notícia?

Por que razão o jornal preferiu investigar as denúncias à medida que as publicava? Não seria o caso de primeiro investigar e só depois publicar? Primeiro se acusa e depois se produzem as provas?

Estas perguntas transcendem ao caso em si. A questão central é esta: a função do jornalismo é fazer barulho ou esclarecer?

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