Quinta-feira, 11 de dezembro de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1368

Desafios, riscos e responsabilidades do jornalismo na era da IA

(Foto: Solen Feyissa/Unsplash)

A rápida incorporação da Inteligência Artificial no campo jornalístico tem acendido um alerta sobre a forma como as notícias são produzidas, distribuídas e consumidas. Essa tecnologia oferece benefícios, mas também apresenta desafios que exigem reflexão crítica, sobretudo, diante do risco de contribuir para a desinformação. Segundo dados do Reuters Institute for the Study of Journalism (2024), a inteligência artificial já é empregada por 56% das organizações jornalísticas em atividades como curadoria de conteúdo, análise de dados e automação de resumos. Além disso, 26% das organizações planejam implementar essa tecnologia em um futuro próximo.

Entre as facilidades, também podemos citar a otimização de processos antes realizado manualmente, como a apuração de grandes volumes de dados qualitativos, a elaboração de relatórios e a transcrição de entrevistas. Por outro lado, sabemos que a automatização excessiva pode representar a substituição de muitos jornalistas nas redações, uma vez que oferece suporte justamente naquilo que demanda tempo: a escrita, além do possível empobrecimento do conteúdo jornalístico e do fortalecimento da desinformação. Soma-se a isso a dependência de algoritmos, que podem reproduzir vieses e distorcer narrativas sem que o público perceba.

O maior alerta, porém, diz respeito ao papel da IA na expansão da desinformação. Modelos avançados já conseguem gerar conteúdos falsos com aparência profissional, não apenas em texto. A criação de imagens manipuladas (“deepfakes”) e a replicação de discursos tendenciosos em larga escala intensificam o problema. Se jornalistas recorrerem a essas tecnologias sem critérios éticos ou sem verificação adequada, podem reforçar boatos, alimentar polarizações e dificultar a distinção entre verdade e mentira. O risco é grave em um cenário em que a confiança no jornalismo já se encontra fragilizada.

A IA não cumpre o papel jornalístico. Ela não apura, não verifica e se baseia apenas no que já existe em sua base de dados, retirada da internet. O jornalismo, por sua vez, é feito do fato, do novo e da atualização diária. Para que a IA tenha repertório, precisa encontrar algo pré-existente para se apoiar ou, então, inventa. E, quando inventa, se distancia do ofício jornalístico e dos princípios de credibilidade, confiança e verossimilhança.

Nas redações percebo três perfis profissionais: aqueles totalmente adeptos à IA e ao ChatGPT, especificamente, onde inserem um prompt além das informações, ao retornarem da pauta, e recebem o texto pronto, terceirizando parte de suas tarefas; aqueles que mantêm a prática da profissão, mas se adaptaram à tecnologia em atividades pontuais, como transcrições, decupagens ou resumos de clipping; e, por fim, aqueles totalmente resistentes ao uso da ferramenta. E não dá para descartar um quarto perfil que esteja usando na totalidade a ferramenta de inteligência artificial.

Apesar de reconhecer a facilidade trazida pelo avanço da tecnologia, especialmente da inteligência artificial, e de entender que ela veio para auxiliar e otimizar processos quando utilizada com cautela, preocupa-me o campo jornalístico e o futuro da profissão, que já enfrenta um mercado limitado. Em curto prazo, não vejo substituições massivas acontecendo nas redações; porém, a longo prazo, não se deve descartar essa hipótese.

Fica difícil combater a desinformação quando qualquer pessoa, mesmo sem ser jornalista, pode pedir à IA que escreva sobre determinado assunto. Não basta a retirada da obrigatoriedade do diploma, agora temos que lidar com quem “pode” fazer nosso trabalho até certo ponto. O ecossistema desinformante, no que compete à legislação e às big techs, não tem dado conta de remover conteúdos enganosos, quanto mais aqueles gerados por inteligência artificial. Avançamos pouco. Esse movimento de combate à desinformação gerada por IA precisa começar também pelo jornalismo, que deve usar a ferramenta com muita cautela, garantindo que a credibilidade jornalística, a apuração e a checagem se mantenham superiores, sem contribuir para a disseminação de conteúdos desinformantes, seja qual for o tema ou a forma de veiculação.

O uso cauteloso, sem substituir a apuração e a checagem, parece ser o equilíbrio mais adequado para que a tecnologia apoie, e não ameace o jornalismo que buscamos preservar e potencializar, também como ferramenta de combate à desinformação. Mas não adianta apenas usar com cautela; é preciso estar atento ao fato de que a inteligência artificial não tem limites claros, e que as pessoas nem sempre conseguem identificar a origem dos conteúdos e isso pode gerar desinformação, algo que sempre contribuiu para o descrédito da profissão.

Trata-se de uma linha muito tênue. Os profissionais precisam entender que acompanhar a tecnologia e aproveitar o que ela oferece é necessário, mas sem fechar os olhos para aquilo com que nos comprometemos enquanto jornalistas: a verdade.

A inteligência artificial ainda protagonizará mudanças. O jornalismo também pode e deve, mas sem esquecer daquilo que o permeia, o mantém e o torna totalmente necessário, estando ancorado na verdade, na apuração e na checagem e isso só pode ser mantido pelos jornalistas espalhados nas diversas redações. Na correria da rotina, a inteligência artificial parece seduzir pela rapidez e facilidade, mas o jornalismo precisa seguir os rigorosos processos de construção da notícia; caso contrário, estará enfraquecendo a credibilidade jornalística e contribuindo para a esfera desinformante.

Publicado originalmente em objHETOS

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Vitória Ferreira é Mestra em Jornalismo e Pesquisadora do objETHOS