
(Foto: George Milton/Pexels)
O Congresso regula influenciadores mais pelo que publicam do que pelo que representam. São 3,8 milhões de criadores de conteúdo, quase 16% de todos os influenciadores do planeta, em dados do estudo Influencer Marketing Benchmark Report (2025).
O estudo “Do Feed ao Plenário”, produzido pelo Reglab – Centro de Estratégia & Regulação por meio do seu núcleo de pesquisa aplicada Engage.hub, é a primeira análise sistemática e abrangente dos esforços legislativos para regular a atividade de influenciadores digitais no Brasil.
Para ter uma ideia da magnitude desse fenômeno: há mais profissionais de influência no Brasil do que médicos, advogados ou engenheiros com registro profissional ativo. Não se trata apenas de um dado curioso, mas do retrato de uma transformação profunda na sociedade.
O mercado de marketing de influência no Brasil representa um setor de R$ 20 bilhões, com um crescimento de aproximadamente 43% no último ano. Um setor bilionário, com 75% de participação feminina, recebeu apenas dois projetos de lei tributários em uma década. Isso mostra um enorme descompasso entre a realidade econômica do setor de influência e a atenção que ele recebe no debate legislativo.
Uma análise aprofundada de 88 Projetos de Lei (PLs) sobre influenciadores digitais, apresentados no Congresso Nacional entre 2015 e 2025, revela um campo legislativo fragmentado, reativo e marcado por ambiguidade.
A maioria das propostas se concentra no controle do conteúdo e na atribuição de responsabilidades, em grande parte ignorando a dimensão socioeconômica de uma atividade que movimenta bilhões de reais.
As propostas legislativas revelam uma tensão central na percepção parlamentar sobre os influenciadores: ora são vistos como profissionais legítimos e motores da economia digital, ora como uma ameaça social e cultural que necessita de contenção.
As definições de “influenciador” são consistentemente amplas e imprecisas, criando insegurança jurídica ao não distinguir criadores profissionais de usuários comuns.
Embora as propostas se concentrem majoritariamente em regras de direito civil, observa-se um número surpreendente de projetos que estabelecem responsabilidade criminal, inclusive com pena de prisão, para agentes do setor.
Os principais problemas podem ser resumidos em três pontos inter-relacionados:
- Definições vagas: A incapacidade de definir claramente quem é o alvo da lei, misturando profissionais e usuários comuns, o que gera insegurança jurídica. A incapacidade de definir a profissão facilita o foco na punição em vez de direitos.
- Foco no controle: Uma preferência clara por criar deveres e punições, deixando em segundo plano a garantia de direitos e a estruturação da profissão.
- Visão de risco: Uma percepção de fundo que enxerga a atividade mais como uma ameaça a ser contida do que como um setor econômico a ser desenvolvido. Uma tendência justificada pela percepção subjacente dos influenciadores como um risco social.
Este estudo analisa sistematicamente o conteúdo e o discurso desses 88 projetos de lei para mapear padrões, classificar abordagens e qualificar o debate, oferecendo evidências para empresas, plataformas, criadores e formuladores de políticas públicas.
Faixa Etária: 36% dos influenciadores têm entre 30 e 39 anos; 21% têm entre 16 e 24 anos;
Gênero: 74,7% são mulheres cisgênero;
Etnia: 49% são brancos, 31% pardos e 16% pretos;
Taxa de Engajamento: Nano-influenciadores (1K-10K seguidores) possuem uma taxa de engajamento de 3,2%, mais que o dobro dos grandes perfis;
Impacto no Consumo: 73% dos consumidores brasileiros compram baseados em recomendações de influenciadores, a maior taxa mundial;
Fontes: Censo de Criadores (Squid, 2023); Hypeauditor (2025); Influencer Marketing Benchmark Report (2025).
O relatório “Do Feed ao Plenário” levanta uma hipótese para essa “invisibilidade econômica”: a dimensão de gênero. Como 75% dos profissionais do setor são mulheres, essa negligência pode refletir um padrão histórico de desvalorização de atividades com forte presença feminina.
O Congresso Nacional tem uma visão ambígua sobre os influenciadores. Embora alguns projetos de lei reconheçam a atividade como uma profissão legítima, a grande maioria dos textos descreve os criadores de conteúdo como um “risco social” que precisa ser controlado.
O foco legislativo mudou drasticamente de tentativas iniciais de reconhecer formalmente a profissão para uma obsessão recente em controlar seu conteúdo, sinalizando um endurecimento da visão dos influenciadores como uma ameaça em vez de uma força econômica.
A análise do discurso presente nas justificativas dos projetos de lei revela uma visão complexa e contraditória. O estudo aponta uma clara distinção entre como os parlamentares enxergam a identidade dos influenciadores (“o que são”) e como descrevem suas ações (“o que fazem”).
Enquanto a identidade é vista de forma diversa, ora como profissionais legítimos e motores da economia, ora como figuras de grande alcance, as ações atribuídas a eles são construídas de forma quase uniformemente negativa. Na prática, o influenciador pode até ser reconhecido em tese, mas suas ações são enquadradas como um perigo social.
A participação dos próprios criadores de conteúdo no debate legislativo ainda é muito tímida. Esse distanciamento não é acidental: em um ambiente político polarizado, muitos criadores temem que “posicionar-se publicamente pode comprometer sua imagem e contratos”.
Esse vácuo é preenchido por uma visão externa, baseada na desconfiança e no desconhecimento, aumentando a chance de uma regulamentação construída com pouco diálogo e baseada em estereótipos.
Ao final, a imagem do influenciador que emerge do Congresso Nacional não é a de um profissional a ser integrado à nova economia, mas a de um ator social ambíguo, que é formalmente reconhecido apenas para ser, na prática, controlado, deslegitimado e, se necessário, criminalizado. A análise dos projetos de lei deixa claro que a balança pende muito mais para a ameaça do que para a oportunidade.
***
Aline Sordili é jornalista e especialista em inovação com mais de 30 anos de experiência em mídia, negócios digitais e transformação tecnológica. Foi uma das pioneiras na digitalização de grandes grupos de comunicação no Brasil. Lançou a Folha Online, o UOL News, Portal Exame e Veja SP. É cofundadora do R7 e do Record Plus, onde liderou projetos de integração entre jornalismo, tecnologia e novos modelos de negócio. É mestranda em Inteligência Artificial pela PUC-SP e pós-graduada em ESG (EADA, em Barcelona) e em negócios com a China (CKGSB). Participa de comitês de IA em instituições como ABRIA (Associação Brasileira de Inteligência Artificial), SET (Sociedade de Engenharia de Telecomunicações), além de ministrar treinamentos e workshops sobre IA aplicada ao jornalismo e à comunicação.
