Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A “Sirene” e o outro lado da notícia

O não-soar dos alertas da Samarco para a tsunami de lama tóxica que varreria em alguns instantes Bento Rodrigues, distrito do município de Mariana (MG), se não serviu para avisar a população do desastre e poupar vidas, prestou-se para inspirar o nome do jornal lançado três meses após a tragédia do dia 5 de novembro de 2015.

Em 5 de fevereiro passado, A Sirene, um jornal de 18 páginas e tiragem de 2 mil exemplares, foi lançado em meio a um protesto organizado pelo grupo Bento Fala na Praça da Sé, no centro de Mariana.

A publicação é uma iniciativa do grupo Um Minuto de Sirene com o apoio da Arquidiocese de Mariana, estudantes e professores do curso de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e NITRO, e da agência de fotografia e produção de conteúdo sediada em Belo Horizonte. Tudo produzido de forma colaborativa.

Em Mariana, o atingido não tem voz real para dizer o que pensa e o que sente,” diz Thiago Alves, membro da Coordenação Estadual do MAB em Minas Gerais. “A empresa é defendida com o argumento de que, sem ela, a cidade não existe em termos econômicos, e isso vai trazendo uma série de distorções e calando a voz dos atingidos.”

Alves mora em Barra Longa, cidade de pouco mais de 6 mil habitantes localizada a cerca de 60 quilômetros de Mariana. O município foi um dos 40 afetados pelo lamaçal da Samarco. Ele diz que Barra Longa perdeu todos os seus espaços coletivos e que, em fevereiro, muito provavelmente por causa das condições propícias para a proliferação de mosquitos, teve um surto de dengue.

Aqui temos apenas uma pequena rádio comunitária, feita por associação de moradores e que é muito aberta para divulgar o que precisamos. Em Mariana é diferente.”

Segundo o militante do MAB, Mariana tem um histórico de disputas políticas em torno da mineração que remonta ao século XVIII. “Isso permeia na política local de forma muito forte, e a gente vê no geral os meios de comunicação alinhados com a prefeitura local e alinhados com a empresa”, diz.

A produção e distribuição de A Sirene é uma forma, segundo ele, de dar voz à população que não tem espaço na imprensa local. “Os atingidos coordenam as reuniões de pauta, não só em um tom de denúncia, mas também para construir o que eles querem que fique na memória da população e não se apague na história.”

Seis meses após a tragédia, o jornal colaborativo já teve três edições impressas, mas as histórias das vítimas e suas famílias estão vivas também nas versões digitais hospedadas no YouTube. O vídeo da mais recente reunião de pauta está disponível neste link.

* Edição de Edna Dantas e Angela Pimenta

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